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AS CANDIDATURAS INDEPENDENTES: UMA DISCUSSÂO NECESSÁRIA

Nas discussões da reforma política, em 2015, reapareceu uma discussão necessária, acerca da possibilidade do lançamento e registro de candidatura avulsas, ou sem vínculo partidário. No Brasil, como veremos, é norma constitucional o vínculo, diferentemente da maior parte dos países em todo o mundo.
Nosso país adota o vínculo obrigatório aos partidos desde a Lei Agamenon Magalhães, e tanto o Código Eleitoral e os textos constitucionais vem mantendo tal obrigação, agora presente no texto de 1988 como uma das condições de elegibilidade. O constitucionalista Jose Afonso da Silva destaca o fato dos partidos serem os canais por onde se realiza a representação política do nosso povo, não se admitindo candidaturas avulsas; já Celso Ribeiro Bastos fala da dependência visceral da democracia dos partidos políticos, muito embora, quase que prevendo a atual discussão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho advertia que os partidos deixam de cumprir sua função quando são dominados por oligarquias, quando não tem disciplina interna, quando não são passiveis de suborno por interesses pessoais.
O fato é que as mazelas de nosso sistema político, que remonta mais de três décadas, despertaram uma sede popular por reformas que reforçassem uma maior legitimidade da representação política, distante muitas vezes das aspirações da maior parte do eleitorado. Os partidos políticos tem caído no desprestígio, e tem sido alvo de duras críticas, pela sua falta de democracia interna, oligarquização, falta de consistência programática e ideológica e falta de renovação dos quadros dirigentes.
Outro fator que colabora com a discussão é de que na maior parte do Globo, as candidaturas avulsas são admitidas. De acordo com o projeto intergovernamental ACE Project, que realiza um mapeamento de sistemas eleitorais em 224 nações que realizam eleições, apenas 21 não permitem candidaturas avulsas para nenhum cargo eletivo: Além do Brasil, países como Suécia, Israel, Argentina, Colômbia e Uruguai, África do Sul, Suriname e Cambodja compõem esse grupo minoritário; O outro grupo, que permite candidaturas avulsas para todos os cargos, é composto por 94 países, incluindo Estados Unidos, França, Chile, Portugal, Croácia, Islândia, Bulgária e boa parte das ex republicas soviéticas. Os demais países possuem sistemas mistos, em que candidaturas avulsas são permitidas apenas para o Executivo, ou apenas para o Legislativo (como no Reino Unido, Austrália, Nova Zelândia e países parlamentaristas, e admitidas até em alguns países comunistas, como o Vietnã, ou a China).

Nos Estados Unidos, normal e corriqueiro o registro de candidaturas independentes, seja ao Executivo ou ao Parlamento, em todos os níveis. Há uma legislação específica para cada cargo ou Estado, para se registrar candidaturas independentes. Os critérios em geral variam, girando em apoiamento de parcela do eleitorado ativo, ou mesmo o pagamento de uma inscrição no órgão autárquico que organiza o pleito (lá não há Justiça Eleitoral). Sistema similar é verificado no Reino Unido, nas eleições parlamentares, de voto distrital uninominal, e países como a Australia, Nova Zelândia, Canadá, onde as candidaturas são registradas perante comissões eleitorais, mediante comprovação de apoiamento de parcela do eleitorado e pagamento de uma taxa de inscrição; Na França, as candidaturas independentes somente são viabilizadas mediante apoio de parcela do eleitorado, ou, em uma regra específica ao modelo francês, através da chancela de mandatários, como prefeitos, vereadores ou conselheiros regionais.
Destaque-se que nem em todos os países, as candidaturas independentes conseguem obter muito sucesso, por meio de dificuldades de acesso ao direito de antena, debates ou financiamento, mas é fundamental sublinhar que todos os Presidentes da Federação Russa, desde a separação da União Soviética, foram eleitos como independentes, e mais recentemente, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza, apoiado pelo PSD (2016), tambem foi eleito como independente. Nos EUA porem, a candidatura presidencial independente mais bem sucedida foi a do milionário Ross Perot, em 1992, que obteve 18,9% dos votos; outro ex republicano, que também concorreu como independente, John Anderson, havia obtido pouco mais de 6% dos votos 4 anos antes.

Resultado de imagem para marcelo rebelo de sousa (foto) - O Presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Souza foi eleito registrado como independente, no pleito presidencial de 2016.

Nossa Constituição Federal, no artigo 14, §3o, consagra expressamente o monopólio dos partidos para o lançamento de candidaturas, ao estabelecer, entre outras condições de elegibilidade, a filiação partidária. 

Há inequivocamente tentativas de mudança: em 2011, Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Senador Paulo Paim (PT-RS) de se instituir as candidaturas avulsas, foi barrada na Comissão de Constituição e Justiça; o mesmo fim teve outra PEC, do Senador José Reguffe (PDT-DF), apresentada em 2015, que estabelecia a candidatura avulsa que tivesse o apoio de 1% do eleitorado. Finalmente, em 2017, apresentou-se mais recentemente outra PEC (350/17), que havia sido apresentada pelo ex deputado João Derly (Rede-RS) pela qual o candidato ao legislativo deveria apresentar o apoiamento de 0,2% do eleitorado e para o Executivo o total de 0,5% dos votantes, o que seria pouco mais de 527 mil eleitores no pleito de 2018. A última proposição também foi rejeitada, ainda no âmbito da própria Câmara dos Deputados.
Registre-se a tentativa do advogado Rodrigo Mezzomo, anteriormente filiado ao PSDB, em registrar-se para concorrer à Prefeitura do Rio de Janeiro, em 2016, e posteriormente, o advogado Modesto Carvalhosa, no pleito presidencial, ingressou com outro pedido análogo no TSE, em 2018.
Em 2016, e em 2018, as referidas candidaturas, e dezenas de outras, ligadas ao movimento de candidaturas independentes no país, foram indeferidas, sob o argumento de que havia lacuna normativa para o exercício do direito, sendo que a fundamentação dos autores foi a efetiva e plena aplicação do Tratado de San Jose da Costa Rica, que não estabeleceu restrições às candidaturas. O STF somente considerou o registro das candidaturas, mas absteve-se de conhecer e julgar o mérito, até agora em andamento.
Em 05 de outubro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da questão de ordem no Recurso Extraordinário com Agravo 1.054.490/ RJ, originado em função do pedido do advogado Rodrigo Mezzomo, decidiu atribuir à ação que busca permissão para que um político sem partido dispute eleições a chamada "repercussão geral"; instada, a Procuradora Geral da Republica Raquel Dodge apresentou opinamento favorável à tese, entendendo ser aplicável o Pacto, que não cria tal restrição (de filiação) às candidaturas.
A tese em julgamento, expôs basicamente que a proibição de candidaturas avulsas estabelecida na Constituição de 1988 foi derrubada pelo Pacto de San José da Costa Rica, criado em 1969 e ratificado pelo Brasil em 1992. De acordo com o artigo 23 do Pacto, recepcionado com valor de uma emenda constitucional, todo cidadão deve ter direito de “votar e ser eleito em eleições periódicas autênticas”. Como não há qualquer menção expressa à filiação partidária como condição para candidatura, decorre a interpretação segundo a qual não é possível criar a restrição da obrigatoriedade em estar filiado a qualquer partido político.
Como dissemos, em outubro de 2017, a PGR se manifestou em conformidade com a tese, e defendeu a validade da regra presente no Pacto de San José para o caso brasileiro, nos seguintes termos: “Sustentei que, com base no Pacto de São José da Costa Rica, na falta de uma proibição constitucional sobre o assunto, há possibilidade de haver candidaturas avulsas no sistema eleitoral brasileiro”

Em relação à questão do Pacto, por ocasião do julgamento do mandado de injunção n. 6977, em 2018, rejeitando candidatura a deputado federal independente, o ministro Celso de Mello, relator deste feito no STF, alertou que pessoalmente entendesse que os tratados internacionais de direitos humanos se revestissem de qualificação constitucional, a jurisprudência do STF era no sentido de que as convenções deste tipo são de natureza infraconstitucional.
Os Partidos Novo, Rede, e políticos de diversos partidos, como os ex senadores Cristovam Buarque, Marina Silva, o jornalista Rodrigo Constantino e outros, alem dos movimentos políticos Renova BR, Agora!, MBL, Vem Pra Rua,  que distribuíram seus candidatos em diversas legendas, defendem esta solução, como forma de aprofundar a democracia, ajudar na transição do atual modelo político, melhorar a representatividade, renovar os políticos mandatários e enfraquecer as cúpulas partidárias, que enfeixam poderes quase ditatoriais, internamente.
Os críticos não são poucos, e a resistência à esse distinto instituto no regramento eleitoral não se limita aos dirigentes partidários; estes centram basicamente na personalização da disputa ou no enfraquecimento dos partidos, basicamente - para o cientista político Antonio Lavareda, ao possibilitarem disputa baseada em concorrência exclusivamente individual, a candidatura avulsa tende a aumentar a hiperfragmentação da representação, que já é alta por conta do número excessivo de partidos; Para o senador Humberto Costa (PT), por sua vez, acredita que a medida provocaria a intensificação da personalização do voto. Ou seja, o candidato poderia apelar para o prestígio de sua imagem pública, e não de suas ideias, para atrair os eleitores.
O fato é que, na eventual adoção de candidaturas independentes, haveria a necessidade de se alterar o regramento atual, e estabelecer-se um novo, para definir o acesso ao rádio e TV, debates, financiamento e outras questões que exsurgiriam com o advento da candidatura independente no processo político brasileiro. Outra solução seria aprofundar a democracia interna na escolha dos dirigentes partidários ou adotar-se o sistema de eleições primárias ou prévias, para permitir uma oxigenação maior e filtrar-se as candidaturas de fato mais representativas da população.




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