DESDE o início do Século XX, a Esquerda em todo o mundo tem se apresentado nos pleitos eleitorais de forma francamente dividida. Não são poucos os exemplos onde se montam "Frentes Populares", ou "Amplas", ou ainda "Blocos", tentando reunir as principais facções. Como se sabe, a principal divisão remonta ao Congresso do Partido Operário Social Democrata Russo, quando se separaram as frações bolchevique (maioria) e menchevique (minoria), no congresso partidário de 1903, quando os mencheviques advogavam um partido de massas e um socialismo gradual, contrapondo-se à tese leninista de um partido de revolucionários profissionais*.
Divisão semelhante atingiu os Social Democratas em quase toda a Europa Ocidental, e nas Américas, precipitado pela recusa das alas mais à esquerda destes partidos em apoiar a Guerra que se iniciava em 2014. Na Alemanha, a esquerda social-democrata criou a Liga Espartaquista (1917), que depois transformou-se na Social Democracia Independente, e por último no PC Alemão (KPD), em 1918, mesmo ano em que os bolcheviques russos tornaram-se o Partido Comunista de toda a Rússia, mais tarde da União Soviética (PCUS). A partir de 1918, os Partidos Comunistas e Socialistas tornaram-se arquirivais na busca pela hegemonia da esquerda, que difundiu-se em nível global, com a Internacional Comunista (1919-1943) e a Internacional Socialista e Trabalhista (1916-40). Destaque-se que as esquerdas registraram alianças amplas em eventos isolados, como na Frente Popular da Espanha, integrada pelo PSOE, o PCE, e o marxista independente PSUM; na França, com o Cartel des Gauches, tambem formada em 1936, e que venceu o pleito, com o premier Leon Blum, reunindo socialistas (SFIO), comunistas (PCF), alem de republicanos, e radicais. na Alemanha, e Itália, a incapacidade de reunir socialistas e comunistas propiciou a ascensão de Hitler e Mussolini, que depois puseram a esquerda fora da lei.
Antes da Segunda Guerra, ainda destacamos a dissidência trotskista, ou a chamada "oposição de esquerda" aos comunistas, que produziu uma IV Internacional, mas partidos muito fracos eleitoralmente**, ou frações em Partidos Socialistas ou Frentistas.
No pós-guerra, persistiu tal divisão entre socialistas e comunistas, sendo que o campo comunista se cindiu, de acordo com a orientação externa, seja chinesa, pró-soviética, e mais tarde, nos anos 70, comunistas "independentes" ou mesmo "eurocomunistas: os mais célebres são o PC italiano, ou o PC Grego, que se dividiu em pró-soviético e outra agremiação "eurocomunista". No Brasil, a divisão entre o PC que acompanhou a linha soviética e a chinesa redundou em 1962 na divisão entre PCB e PCdoB. O fato é que os PCs, muito bem votados na Europa Ocidental, apos o Plano Marshall e a recuperação econômica europeia fizeram que sua densidade eleitoral minguasse gradualmente.
Os anos 80 viram a esquerda ocidental se atomizar em diversas linhas comunistas, revolucionárias, ou não, seguindo diversas influências, e assistir a novos triunfos eleitorais de social democratas ao fim dos anos 70, e início dos 80, em Portugal, Grécia, Alemanha, França, Itália, e outros países latino-americanos. a novidade naquela década foi o aparecimento de Partidos "Verdes", com foco na autogestão e na defesa do meio ambiente, revalorando a esquerda tradicional, e sinalizando as novas demandas da sociedade.
Mas foi o fim do bloco soviético, e o fim do Século dividiram novamente a esquerda parcialmente em "comunistas tradicionais", "ex-comunistas", que se transformaram, ou se travestiram de social democratas, mas a evolução política fez os social democratas, e partidos da "Velha Esquerda" se cindirem novamente em basicamente dois campos: os partidos socialistas e da esquerda tradicional, e novos socialistas, derivados de "movimentos", "grupos autônomos" e outras formas associadas de uma esquerda nova e militantes, que rejeitou os ajustes econômicos e a política da União Europeia; em alguns casos, parte da esquerda não-comunista rejeitou as formulações de políticas mais centristas, como a do "novo centro" do premier alemão Shcroeder (SPD), ou o "Novo Trabalhismo", do premier britânico, Tony Blair.
Os resultados, do novo rearranjo de forças mais à esquerda, após o refluxo eleitoral no início dos anos 2000*** não se fez tardar: o SYRIZA grego tornou os social democratas do PASOK e comunistas do KKE como forças secundárias, e capitalizou a insatisfação com a derrocada econômica do país, conseguindo termos mais brandos ao arrocho preconizado pelas autoridades europeias. A onda da nova esquerda, que refutava o PS e PC tradicionais chegou à França, como Melanchon, e sua França Insubmissa, que chegou aos 20% dos eleitorado francês neste ano, ao Bloco de Esquerda (10,2% em 2015), rivalizando com Verdes/Comunistas (8,3%), para se tornar essencial aos Socialistas do PS português para que conseguisse formar um governo ainda em 2015. Os espanhóis tambem sentiram tal fenômeno, com o crescimento do PODEMOS (21% dos votos), tomando eleitores do desgastado socialista PSOE (22% em 2016) e os secundários comunistas e verdes da Esquerda Unida, reduzida a 3% dos eleitores. Da mesma forma, há o Partido de Esquerda que se contrapõe a Comunistas****, Verdes e Social Democratas, em vários países europeus, como escandinavos e na Alemanha.
Na America Latina, há outros parâmetros: como alguns partidos de esquerda vieram a assumir eleitoralmente o poder, como o Aprismo peruano, o Justicialismo argentino, em sua versão esquerdista, ou o PT brasileiro, apareceram contrapontos mais à esquerda, como o PSOL brasileiro, discutindo as alianças conservadoras do petismo, ou suas políticas de conciliação, ou típicas de partidos social democratas tradicionais. Na recente eleição chilena, uma coalizão de partidos socialistas e comunistas tradicionais, como o PS e o PC chilenos, o PPD (dissidência do PS), o Partido Radical Social Democrata, e outros, quase foram ultrapassados pela nova Frente Ampla, de movimentos sociais, pequenas agremiações marxistas e socialistas mais radicais, críticas ao Governo Bachelet, e à esquerda tradicional. Essa divisão da nova e velha esquerda pode se repetir no pleito brasileiro de 2018, onde algumas agremiações de esquerda moderada, tendentes ao centro se esforçam em aparecer como "novas", ou "renovadas", até porque são identificadas com a política tradicional, como os ex comunistas do PPS, o PSB, e o PV, e a indecisa REDE, que perdeu parte do encanto ao se misturar em ações políticas com o PT.
Destaque-se enfim, que a Nova Esquerda não tem se posicionado apenas como agremiações operárias, ou de "trabalhadores", ou possui forte corrente sindical, mas procura inserir uma pauta moral liberalizante, com a defesa de minorias, mulheres, e dos direitos homossexuais, como exemplos mais relevantes.
*Curioso é que no congresso do POSDR, em 1903, os mencheviques conquistaram a maioria dos delegados, mas foram minoria no comitê central do partido. Em 1918, os comunistas conquistaram apenas 25% dos votos, e os mencheviques cerca de 5%. Tomaram o poder à força mesmo. Mas é outra história.
** até hoje os trotskistas se dividem interminavelmente. há dezenas de internacionais de trotskistas de clivagens diversas. Já desisti de contabilizar. No Brasil, o PCO obteve apenas 0,01%, o novo PCB radicalizado, 0,07%, e o PSTU, que reúne diversas correntes, mal 0,19% dos votos. O PSOL já conseguiu reunir tendências marxistas variadas e algumas trotskistas, e chegou aos 1,9% (resultados de 2014).
*** o refluxo eleitoral generalizado dos social democratas europeus não se deveu apenas ao fim de um período de governo de quase dez anos de socialistas britânicos e alemães que guinaram para o centro, mas de incontáveis escândalos de corrupção que atingiram administrações socialistas no poder como na Itália (Bettino Craxi, do PSI, fugiu para a Tunísia, após a "mãos limpas"), Grécia, Espanha (Felipe Gonzalez, do PSOE, teve que renunciar devido a escândalos). Um ex premier frances, Pierre Berevogoy, do PS, surpreendido num escândalo financeiro, se suicidou.
**** por incrível que pareça, os Comunistas ainda tem um bom resultado eleitoral na Rússia, onde o Partido Comunista da Federação Russa (há outros dois PCs divergentes, ainda) mantem cerca de 15% do eleitorado russo, e na República Tcheca, onde igual índice foi conquistado no pleito de 2013, pelos Comunistas do KSCM (Partido Comunista da Boêmia-Morávia).
Comentários
Postar um comentário