A criação do Estado como emanação da sociedade organizada se deu, sobretudo, pela necessidade de segurança e proteção das famílias, de toda a comunidade, coletividade. Uma das consequências foi a implantação gradual da Justiça aos súditos, depois cidadãos. Inicialmente, a Justiça era privilégio real, ou administrada em seu nome. Um dos orgulhos do Império Romano foi a noção de civilização que tinha na segurança das cidades, das vias pavimentadas, e também da sua justiça, mesmo embora saibamos que precariamente administrada por procuradores corruptos, e Senadores parciais e facilmente subornáveis.
Curioso que a primeira
parábola de Jesus narrada pelos evangelistas, em particular, tenha sido a
parábola do juiz iníquo. Haviam dois
tipos de Justiça ao tempo de Jesus, uma muito parecida com os nossos juízos
arbitrais, com juízes contratados, e outra de juizes públicos, que julgavam
quando queriam, e a sua corrupção altamente conhecida da população (daí o termo
“juiz iníquo”, registrada no evangelho, sem maiores explicações). No caso desta história, Jesus assinala que
uma idosa somente se viu atendida pelo Juiz após muito insistir, tendo o
Magistrado a atendido para se ver livre dela. Jesus correlaciona tal fato com a
necessidade de insistirmos nos nossos pleitos juntos a Deus.
O mesmo Jesus
questionou a Lei de Talião, a mais velha norma penal, de caráter reparativo,
imediato, existente e conhecida, desde a velha Mesopotâmia.
Foi o italiano Cesar
Beccaria que consagrou a idéia da proporcionalidade da pena, bem como o
conceito da punição visar a recuperação do indivíduo...
Pouco a pouco, a
Justiça, tal como a conhecemos hoje, com magistrados profissionais e estrutura
independente do Poder Executivo, foi se estabelecendo gradativamente, embora ainda
possua sérios defeitos e falhas, como a dificuldade para o seu acesso pelos
cidadãos mais simples, ou menos educados; a sua morosidade, que acaba
originando outras in-justiças; ou ainda, os defeitos na legislação penal ou
processual, que necessitam ser constantemente aprimorados.
A luta pelo Direito – e
conseqüentemente, pela justiça, é uma aspiração, uma luta que continua e tem de
ser assumida por toda a nossa sociedade: lutamos por uma justiça acessível,
leis de fácil compreensão, uma justiça reparativa, um sistema penitenciário que
seja reabilitador, e não um grande depósito humano. O jurista alemão Rudolf
Von Ihering, no livro “A Luta pelo Direito”, justificou a centralidade do tema,
com uma sentença lapidar:
“(..) O
fim do Direito é a paz, o meio de que se serve para consegui-lo é a luta.
Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará
enquanto o mundo for mundo –, ele não poderá prescindir da luta. A vida do
direito é a luta: a luta dos povos, dos governos, das classes sociais, dos
indivíduos.”
Há uma
distinção clara entre aplicar uma lei, ou uma conseqüente pena, e se fazer –
justiça – o conceito então do que se entende por justiça possui grandes
variáveis, dependendo do grupo social a que se pertença, seja religioso,
comunitário, da faixa etária, o que denota uma pluralidade imensa de gradação
de valores éticos ou morais. A grande luta, portanto de qualquer sociedade
democrática, e de um Estado Democrático de Direito é a luta por se alcançar ..
justiça!
Em tempos
onde o Estado Brasileiro traça alguma reação à corrupção, aos desvios
governamentais, e busca aperfeiçoar a sua legislação para coibir tais males, a
sobrevivência do Estado Democrático se dará na percepção dos seus cidadãos que
a Justiça pune, funciona, e não tarda tanto mais, e que pune a todos,
indistintamente. Não se pode mais falar na qualidade de uma Democracia, sem
questionar a qualidade de suas Instituições Governamentais, sobretudo a
Justiça. Não é somente a questão de sua acessibilidade pela população mais
necessitada, apenas, nem à qualidade das Leis, mas de sua efetividade, em fazer
cumprir as normas de convivência social e política, e mesmo em mostrar que sabe
e pode punir.
VINICIUS CORDEIRO é
advogado, e ainda acredita na Justiça, sobretudo e principalmente a Divina. Contatos
– viniciusadv@globo.com
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