O texto, de Gaudêncio Torquato, vai ora transcrito, com alguns comentários do autor deste BLOG, impressionado com o tema desde a leitura, no carnaval de 2015, do livro O FIM DO PODER, do jornalista venezuelano Moises Nahim. A temática trata da "fadiga" do regime democrático, que não tem conseguido resolver os grandes desafios das sociedades contemporâneas, aliado ao tema de que o poder, como conhecemos, já não é mais o mesmo, seja no Estado Nacional, na Igreja, nos sindicatos, nos Partidos Políticos, e outras instituições econômicas, que detinham a autoridade em nosso planeta.
Segue o texto, ora transcrito literalmente:
"O mundo padece de síndrome da fadiga democrática, observa o escritor, jornalista e poeta belga David Van Reybrouck, para quem as Nações atravessam um momento de saturação em seus sistemas democráticos. Alguns sintomas: apatia do eleitor, abstenção às urnas, instabilidade eleitoral, hemorragia dos partidos, impotência das administrações, penúria no recrutamento, desejo compulsivo de aparecer, febre eleitoral crônica, estresse midiático extenuante, desconfiança, indiferença e outras mazelas.
Arremata o belga: “a democracia tem um problema sério de legitimidade quando os eleitores não dão mais importância à coisa fundamental, o voto”. A análise está expressa no interessante livro Contra as Eleições, traduzido agora no Brasil. O título sinaliza para a hipótese de que, nesses tempos de populismos baseados no medo e na desconfiança das elites, é o caso de se abolir o processo eleitoral e voltar ao que ocorria há 3.000 anos, quando inexistiam eleições e os cargos se repartiam por meio de uma combinação de sorteios e ações voluntárias. Ou seja, quando a política era missão e não profissão.
O fato é que a democracia, como já escreveu Norberto Bobbio, o grande cientista social e filósofo italiano, não tem cumprido suas tarefas básicas, como acesso de justiça para todos, educação para a cidadania, combate ao poder invisível, transparência nas ações de seus protagonistas. (grifo nosso)
Em seu "Futuro da Democracia", Bobbio mostra os caminhos a percorrer pela democracia na direção do amanhã, caracterizando o insucesso do Estado no combate às pragas da modernidade, a partir do poder invisível incrustado na administração pública. O poder visível, formal, está perdendo a batalha. Apesar dos aparatos tecnológicos que ancoram o Estado – Tribunais de Contas, Ministério Público, Polícia Federal, Tribunais Eleitorais e outras instâncias do Judiciário – a corrupção grassa a torto e a direito.
Para termos uma ideia dessa crise, podemos inserir no debate outros eixos, como os de Roger-Gérard Scwartzenberg: arrefecimento das ideologias, declínio dos partidos, desmotivação das bases, perda de poder dos Parlamentos, refluxo das oposições.
A crítica evidencia o fato de que as eleições perpetuam a continuidade das elites no controle dos Poderes. A eleição de um governante pelo voto popular não seria suficiente para lhe dar legitimidade, pois será engolido pela ineficiência do Estado. Mas que outra solução haveria? Sortear os cargos entre o povo? Quem garante que essa modalidade não levaria ao caos?
Este ano teremos um pleito competitivo e de discurso contundente. Como fazer para darmos um passo mais avançado em nossa democracia de forma a garantir o compromisso da política junto ao povo? Deixo que o eleitor reflita sobre essa inquietante pergunta.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação Twitter@gaudtorquato"
Comentários: A inadequação, ou imperfeição da democracia, como crítica e mesmo sua adoção, como paradigma para enfrentar tempos difíceis, é um tema atual - desde os anos 20/30 e a ascensão do fascismo e do nazismo. parece evocar as conhecidas palavras proferidas por Winston Churchill na Câmara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947: "A democracia é a pior forma de governo, à exceção de todos os outros já experimentados ao longo da história." O fato é que o desencanto com o regime democratico tem sofrido avanços e retrocessos desde então. Mas particularmente, de dez anos para cá, o desencanto parece ser comum em norte-americanos, franceses, portugueses, brasileiros, espanhóis, cidadãos do Leste Europeu, ou latino-americanos em geral.
O desencanto traz flertes inconvenientes, com o socialismo autoritário do Bloco Bolivariano, que tem perdido espaço, até por sua ineficiência conceitual e prática, desintegrando a confiança da população nas autoridades estatais, ou ainda, na União Europeia, bloco supranacional, criando-se outra forma de protesto, através dos partidos "euroceticos", ou ultranacionalistas, de rebate à globalização. Se direita e esquerda mais nítidos se parecem com sua crítica à ineficiência da burocracia estatal, à globalização, e ao sistema democrático, por sua vez, no poder, revelam-se tão ineficientes quanto os partidos do Sistema, já que tambem não resolvem por si só, a questão da restauração da Autoridade governamental, com o preenchimento dos vazios existentes, uma vez no poder.
Em resumo: os críticos da democracia se fortalecem e obtem, por um período, sucessos eleitorais, mas, quando se tornam alternativa de poder, se exaurem, porque não são grupos de efetivo "exercício de poder", esgotando seus sucessos no combate ao sistema existente. Vimos tal fenômeno no Brexit, e em algumas experiências de Governo. Para sobreviverem, os partidos de esquerda ou direita, tem de fazer concessões ao Centro, ao Sistema Financeiro ou se adaptar aos ditames da globalização, como vimos na Europa, nos triunfos da esquerda grega, ou da direita centro-europeia.
A simples crítica ao sistema democrático, tal qual é feita no Brasil, tende a ganhar força, não sendo resolvida apenas na mudança das normas do financiamento eleitoral.
"Para sobreviverem, os partidos de esquerda ou direita, tem de fazer concessões ao Centro,..." O centro, então, tem que aprofundar suas escolhas democráticas, pois parte da inefetividade do estado democrático tem caído na conta do centro, que domina e emperra as mudanças...
ResponderExcluirÉ uma tarefa que cabe à nos.