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VOTO DISTRITAL E O GERRYMANDERING

Inicialmente, os sistemas eleitorais são variados, e mesmo em seus diversos tipos, comportam-se subtipos. O Brasil adota o sistema proporcional, dentro de uma circunscrição eleitoral (Estados, Municípios, nas eleições locais); No caso, a circunscrição eleitoral (ou se preferirem, o distrito) para a eleição dos deputados estaduais, federais, senadores, são os Estados. Sendo que os deputados e vereadores (nos municípios) são eleitos pelo sistema proporcional. Simplificando, o partido que obtem uma parcela de votos, elege uma quantidade proporcional de representantes. O voto proporcional assegura a representação de correntes minoritárias, de acordo com a fração conquistada. 

As críticas ao sistema atual no país já são conhecidas: elegem-se representantes de minorias religiosas, sindicais, classistas, sem compromisso com o todo, ou representantes muito distantes da base. A base política de representantes em lista aberta (vota-se no nome) traduz-se numa democracia de personalidades, fazendo com que os partidos políticos se enfraqueçam cada vez mais. Daí, inclusive, ter se tentado em 2017, adotar-se o voto nominal sem lista proporcional, o chamado "distritão", ou melhor - voto majoritário para o parlamento, como fazem poucos países no mundo - como por ex., o senado da Colômbia.

Para muitos, porem, que se afeiçoam ao sistema vigente há mais de 200 anos no Reino Unido e Estados Unidos, adotado por sua vez em quase toda a Commonwealth (Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Índia, etc), que é a do voto distrital uninominal (um representante por distrito eleitoral) diferenciando-se do voto distrital plurinominal, como no Japão, ou do voto distrital misto (parcela eleita pelo voto distrital e parcela pelo voto de lista partidária, proporcionalmente), vigente na Alemanha e Itália, entendem que esse sistema é mais barato, preserva as organizações partidárias, e cria vínculos mais fortes entre os representantes e seus representados. Já os críticos lembram a força do clientelismo, poder econômico, das oligarquias e a pouca renovação que se verifica, com a adoção de tal sistema.

Ainda lembramos, sem ser o foto deste artigo, que tanto na tradição britânica eleitoral, como estadunidense, o voto distrital uninominal se faz em apenas um turno, ou como dizem os americanos, "winner takes all"; ao passo que há países, como na França, em que os representantes do Distrito somente são escolhidos com mais de 50% dos votos, cabendo um segundo turno, com os mais votados no primeiro.

Mas a questão é: quem desenha os distritos, e quem os define, ou melhor, quem define seus limites? em geral, são as comissões eleitorais, organismos administrativos, que tem a participação de representantes indicados pelos principais partidos que obtém representação parlamentar.

Na Grã-Bretanha, chegamos a conhecer a figura dos "burgos podres", ou distritos rurais pouco povoados, que enviavam muitos representantes ao Parlamento britânico, em detrimento das crescentes cidades industriais, como Liverpool e Manchester. tal expediente levou a um predomínio Conservador sobre os Liberais, fato só corrigido por uma reforma eleitoral, em 1832.

Mas foi nos Estados Unidos que nasceu uma famosa distorção no sistema distrital: o chamado "gerrymandering", que é o método pelo qual o desenho ou a definição do tamanho e do limite dos distritos eleitorais não obedeça critérios geográficos, operacionais, mas simplesmente o desenho beneficie um partido político ou grupo partidário. O nome deriva de um ex governador do Massachussets, e vice-presidente dos EUA, Elbridge Gerry, que em 1812, utilizou-se deste expediente, favorecendo candidatos republicanos. Pelo formato parecido ao de uma salamandra em um dos distritos, apelidou-se a tática de gerry-mandering - algo como "Gerry salamandra", expressão cunhada por um jornalista do "Boston Gazette", acompanhada de uma charge de salamandra produzida pelo pintor Gilbert Stuart.

Destacamos que, em geral, são órgãos estaduais (Secretarias de Estado, de um modo geral) - dominados por políticos, é que definem os Distritos Eleitorais. Estes são convenientemente traçados dividindo áreas onde o adversário político é forte e dividido de acordo com o mapa eleitoral mais favorável a Democratas ou Republicanos.

A legislação eleitoral de todos os Estados já prevê sanções, redesenho no caso do gerrymandering, nos EUA contemporâneo, mas volta e meia, há denúncias da prática aparecer. Há gerrymandering para concentrar votos de minorias, votos étnicos, ou simplesmente pelo histórico eleitoral de algumas comunidades interioranas, criando maiorias artificiais rurais (que tem um comportamento distinto do eleitorado das grandes cidades, como no Brasil).

Mais recente, há denúncias de gerrymandering no redesenho dos distritos eleitorais na Hungria, de modo a beneficiar o então premier Viktor Orban, o Fidesz, em 2010, e mesmo a Venezuela de Chavez, que no mesmo ano viu a oposição fazer 52% dos votos (MUD), mas o governo ficar com 60% das cadeiras. No Brasil, o mais próximo que podemos citar desta prática, foi quando o governo, temeroso do resultado do pleito de 1978, editou o chamado "pacote de abril", assegurando a Estados pouco populosos, como Acre, Sergipe, Mato Grosso, etc, uma representação mínima de 8 deputados, causando uma desproporcionalidade que beneficiou o partido de sustentação ao regime militar - a ARENA, em desfavor do MDB, forte em Estados do Sudeste. 

Curioso é ver que há defensores do voto distrital no país que nem sabem o que é gerrymandering, uma prática que seria fatalmente lembrada ao se desenhar os distritos eleitorais em um país que ainda pratica o pluripartidarismo. Na imagem, um exemplo de distrito eleitoral (no caso, no Estado da Califonia, manipulado para assegurar a eleição de um representante étnico).


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(FOTO) Há ainda hoje, nos EUA periódicas reclamações da prática de gerrymandering nos pleitos eleitorais mais recentes.

Afinal, não há possibilidade de se discutir a adoção do sistema de voto distrital uninominal sem se explicitar claramente regramento que defina limites para os distritos eleitorais - atenuando a possibilidade de manipulação casuística, conceituada mundialmente pelo exemplo americano, o "gerrymandering", ou sem discutir tal evento, presente em países com o sistema do voto distrital uninominal, como vimos.

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