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A NOVA ULTRADIREITA E O FENOMENO BRASILEIRO


A corrida presidencial brasileira e o ambiente de extrema polarização ideológica, algo que não se via desde 1989, no segundo turno, trouxe também uma impressão de que o fenômeno Bolsonaro não é só produto de uma alternância natural de poder, ou simplesmente, para alguns que quiseram relativizar, uma “onda conservadora”; Nos tempos mais recentes verifica-se um crescimento político e eleitoral de forças de extrema-direita, racistas, neonacionalistas, ultraconservadoras, ou ainda declaradamente fascistas/semifascistas. Em muitos países da Europa Central e Oriental constatamos que algumas dessas forças fazem parte de coligações governamentais e, noutros casos, formam o governo.

O fenômeno que ocorre na Europa, e de certa forma, nos Estados Unidos da America, com a eleição de Trump e agora, com a ascensão de Bolsonaro no Brasil, e que possuem matizes diferenciados, não encontra precedentes desde o século passado, nos anos 30; Em 1930, o mundo sentiu fortemente a crise de 1929, e espalharam-se o desemprego, a concentração de renda, a miséria e inflação, em países europeus. Ocorre que nos anos 30, a Esquerda tinha grande peso político, com os Comunistas, ainda alinhados com a União Soviética dirigida por Joseph Stalin, e os Social Democratas, que chegaram ao poder pela via eleitoral em alguns países como a Alemanha, França e outros.

Nos anos 30 proliferaram-se legendas de viés autoritário e nacionalista extremado, na Europa, e mesmo nas Americas, como a AIB (Ação Integralista Brasileira), e os PCs (Partidos Comunistas) eram ativos e eleitoralmente importantes em quase todo o mundo. A polarização era grande.

Na atualidade, essa nova Direita, podemos dizer de forma clara, uma nova extrema-direita, apresenta uma série de projetos diferenciados ou diversos, com partidos de inspiração nitidamente neofascista como o Aurora Dourada, na Grécia, o NPD, na Alemanha, ou o Pravyy Sektor, na Ucrânia, ou o BNP britânico, que perdeu força  – ou ainda, partidos classificados como semifascistas, com “fortes componentes fascistas, mas que não se inserem no padrão fascista clássico” (LÖWY, 2015, 655) – o mais conhecido é a Frente Nacional, na França;  o Partido Austríaco da Liberdade (FPÖ), na Áustria; os Democratas Suecos, e o crescimento da AFD, na Alemanha –, finalmente, encontramos partidos que, embora não possuam essas componentes fascistas, apresentam propostas xenófobas, anti-imigrantes e quase racistas – como o conservador UDC, na Suíça; ou o UKIP, no Reino Unido. Outro exemplo de crescimento eleitoral é o da Liga, do ministro do interior italiano Salvini, que integra o governo de coalizão da Itália, que já conta com 1/4 do eleitorado. A Liga tem cooptado eleitores de centro-direita que votavam na Forza Italia de Berlusconi. O partido já se chamou Liga Lombarda, Liga Norte, e agora amplia seus horizontes. É uma séria força a vencer futuros pleitos, e assim como na Áustria, Hungria, cresce por seu violento discurso xenófobo e anti-imigração.


Foto: Militante do Aurora Dourada, partido grego de ultradireita, neofascista.

Lembremos que a França, Hungria, Áustria, Itália, Alemanha conheceram governos de extrema direita e tais forças nunca deixaram de existir de fato nestes países. Mas o neo fascismo não volta sob a velha roupagem, como ocorre com alguns partidos, como era o caso do MSI (neofascista) italiano, o BNP britânico, ou o Aurora Dourada grego, mas o ultradireitismo ganha nova roupagem: valores conservadores, euroceticismo, reação à organismos internacionais, anti-imigração, valores ultrareligiosos, discurso contra minorias, combate à corrupção, violência e ordem.  Curiosamente, embora mantendo a roupagem nacionalista, se dizem liberais na economia, chegando a refutar o passado da direita estatizante. Enfim, é claro, o discurso anticomunista apareceu com mais força nas Américas, por conta dos regimes da Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia.

Mais recente, a defesa de valores católicos e nacionalistas do novo premier da Polônia, Lech Kaczynski, ultrapassou o limite dos programas políticos conservadores dentro da União Européia. Além de condenar o aborto, Kaczynski proibiu – como prefeito de Varsóvia – manifestações pelo reconhecimento de direitos civis dos homossexuais no ano passado e neste ano. Defende também a reintrodução da pena de morte.

Um porta-voz da Comissão Europeia explicou que as declarações de Kaczynski sobre a pena de morte contrariam o artigo 6º do acordo de aceitação dos países-membros na comunidade: "A UE se baseia em princípios de liberdade, nos direitos humanos e no Estado de direito, coisas a serem observadas por todos os países-membros".

Como no Brasil, a virada radical dos poloneses para a direita foi interpretada em parte como reação dos eleitores ao envolvimento dos últimos governos de esquerda em escândalos de corrupção. Kaczynski e seu partido Lei e Ordem capitalizaram a insatisfação do eleitorado, elegendo o combate à corrupção como um dos lemas de sua campanha eleitoral. O que também agradou ao eleitorado foi o discurso nacionalista de Kaczynski, pontuado por animosidades contra a Rússia e a Alemanha.

O fenômeno polonês curiosamente encontra pontos de contato com o Brasil de Bolsonaro, que encarnou o sentimento antipetista. O PT, partido socialista que esteve no poder durante mais de 12 anos, se envolveu em rumorosos casos de corrupção, e teve diversos dirigentes e líderes políticos destituídos e presos. Junte-se a isso um programa ultraconservador que encontrou eco na direita evangélica fundamentalista. O Brasil possui maioria neopentecostal dentre os evangélicos. Assim como no Chile, os políticos ultradireitistas encontram amplo apoio entre os neopentecostais. Outro elemento curioso no caso brasileiro é o deputado Bolsonaro evocar homenagens a um militar condenado como torturador e elogiar o regime militar. Ao mesmo tempo acusa seus adversários do PT pelo apoio ao regime de Maduro na Venezuela, embora não tenhamos visto no pleito brasileiro uma discussão equilibrada, não há indicação clara de rompimento institucional.

Nos pleitos polarizados como o brasileiro verifica-se uma ausência total de debate acerca de políticas sociais, educação, saúde pública, mas pelo contrário, foca-se o meio ambiente como entrave ao desenvolvimento. Trump denunciou o acordo de Paris. O foco em geral são temas morais, como o aborto, a questão de direitos homossexuais, a segurança pública, e a relações internacionais com países comunistas, ou socialistas. A crise fiscal ou propostas econômicas são relegadas a um surpreendente papel secundário, seja no Brasil, EUA, ou na Suécia.

Não podemos deixar de sublinhar que a acusação mais comum e recíproca dos grupos de esquerda e direita que disputaram o pleito no Brasil é de que iriam em tese, implantar uma ditadura ou um regime autoritário, após legitimar-se pelo voto. Esperamos que seja somente retórica eleitoral, e que a força das Instituições brasileiras seja maior, assim como o apoio da sociedade civil ao regime democrático seja suficiente cristalizado para impedir qualquer tentação autoritária.  Bolsonaro desautorizou declarações do seu vice, o General Mourão, que falava em convocar uma Constituinte sem representantes do povo, integrada por uma comissão de notáveis, ou ainda consertou uma declaração contra o 13º salário, prometendo a ampliação da Bolsa Família com esse benefício. Há um desejo claro de demostrar que não quer romper-se com a legalidade democrática.

Após ser isoladas pela junção de todos partidos do chamado “campo democrático”, a Frente Nacional de Jean Marie Le Pen, após seu afastamento da direção, e ser uma força marginal de 15% dos votos, adotou um discurso mais moderado, tentando se transformar em uma força politica de direita democrática, com a liderança de Marine Le Pen, que afastou os velhos lideres do partido. Mais recentemente, chegou a dizer que algumas coisas que Bolsonaro fala são “desagradáveis”, embora entenda o contexto. Curiosamente, o líder a Alternativa pela Alemanha, o ultradireitista AFD declarou repelir o “extremismo” de Bolsonaro. A AFD é eurocetica, contra a imigração, e se apresenta como agremiação conservadora constitucional e é favorável aos direitos LGBTs.

Curiosamente, para rebater as acusações de racismo ou problema com os direitos das mulheres, o partido bolsonarista (PSL) exibiu com orgulho a eleição de Helio Negão, curiosamente em fato parecido com a direitista Liga Italiana que também repeliu acusações parecidas com a eleição de um senador negro, que diz combater apenas a imigração irregular.

Outra característica de ascensão de boa parte destas forças ultradireitistas é que estas só crescem quando criam um ambiente altamente polarizado, como já ocorreu nos pleitos dos EUA, a partir de 2008. Nesta ambiência, políticos de centro, moderados, vão perdendo gradualmente espaço, e o ambiente de polarização se nutre da comunicação em redes sociais, com polarização excessiva (nós x eles) o uso pesado de fake news, propaganda de ódio, disseminadas rapidamente entre a população que já desconfia das instituições políticas, como o Judiciário e o Parlamento. Geralmente provem da classe média, média alta. A fadiga da democracia se constata claramente no Mundo, sendo um grande combustível para as forças de ultradireita, e mesmo de ultraesquerda, que coexistem para justificar seus discursos.

Outro ingrediente para a Nova ultradireita nas Américas, que influenciou muito a brasileira, foi a Direita Alternativa (AltRight), que combate os conservadores tradicionais do establishment republicano, apoiados pelos fundamentalistas religiosos, movimentos antiaborto (“pro life”), ultranacionalistas, e até supremacistas brancos. Seu outro correspondente é o barulhento e militante “Tea Party”, corrente ultradireitista do Partido Republicano, que se celebrizou pelas mesmas táticas e agendas do Bolsonarismo brasileiro.


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Foto: manifestações da AltRight americana, que reúne militantes fundamentalistas cristãos, supremacistas brancos, conservadores dissidentes dos republicanos.


Mas, por outro lado, há outro aspecto a ser destacado, pelo qual o fracasso destas forças na gestão pública podem fazer com que o fenômeno não perdure. Exemplo desta afirmação infere-se no Reino Unido, após a campanha pelo Brexit fazer o UKIP crescer a preferência britânica pelo partido eurocético e direitista chegasse a 15% dos votos, a vitória desta tese jogou o país em problemas econômicos que não foram levados em conta por um eleitorado que foi levado em uma campanha nacionalista, emocional e quase irresponsável. Fala-se até em refazer a consulta popular. A economia britânica já se ressente da medida, a primeira-ministra conservadora May tem dificuldades em implementar o Brexit.

O UKIP, após tais fatos, minguou. Nas últimas eleição para o Parlamento Britânico, o partido não chegou aos 2% dos votos, perdeu sua representação parlamentar, e quase toda sua importância no país. Mas o Partido Conservador migrou mais à direita cortejando esse eleitorado cada vez mais radicalizado.

Um eventual fracasso do governo Bolsonaro na economia pode levar a um desgaste eleitoral. Um eventual sucesso, temem alguns, pode levar a um regime como o da Turquia, do conservador religioso Erdogan, que continua a manter o regime democrático, com restrições consideráveis a oposicionistas.

O fato é que o discurso antissistema ou de reação à corrupção de partidos esquerdistas levam a bons resultados eleitorais, mas não sustentam uma gestão estatal. Mas o que se teme é o exemplo húngaro, com o governo de Viktor Orban. Este enveredou por um caminho mais autoritário: Perseguiu migrantes, refugiados e minorias como os ciganos. E há mais, muito mais: a alteração da Constituição, a interferência no poder judicial, a perseguição aos media, à autonomia académica, a restrição de liberdades como a religiosa ou de associação fazem parte da lista de temas que tiraram a Hungria do clube dos países de plena democracia e da vigência do Estado de direito, tem estado sob a crítica de órgãos Europeus.

Enquanto isso, o fato é que em todos os países, incluindo-se os EUA, há sensível aumento de casos de violência racial, contra homossexuais, imigrantes, ciganos, utilização de símbolos fascistas, intolerância religiosa. O Mundo em crise pode voltar-se para o Autoritarismo, buscando ordem econômica e social, mas sucumbe à tirania, e destrói o legado dos regimes liberais, e social democratas, do Welfare State, da busca dos direitos sociais e humanos, em nome de um individualismo exacerbado, usando para seus próprios propósitos, o nome da liberdade.

Comentários

  1. Sensacional, parabens pelo texto. Me sinto, após leitura tão elucidativa, muito mais preocupado do que já estava.

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