No Brasil, salta os olhos no
Serviço Público, seja em que esfera for, a questão dos ocupantes de cargo
comissionado, aqueles de chefia, direção ou assessoramento, existentes em todos
os níveis, municipal, estadual ou federal; Normalmente, comenta-se sobre o seu
excesso em relação às demandas da Administração, e mesmo a pertinência ou a
eficiência que ganha o Poder Público com pessoas fora do quadro funcional, e o
valor que elas agregam.
Sabemos a verdade: boa parte dos
cargos comissionados são preenchidos por cabos eleitorais, amigos e até
recentes anos, por parentes de parlamentares. A questão da nomeação envolvendo
critérios de afinidade política obedece ao velho “spoil system”, vem do
Império e ocorre em outros países (inclusive os EUA, e vários países europeus) pelo qual o Partido no poder preenche a
máquina estatal com indicados e protegidos seus. Mas não é essa questão que ora
se aborda – mas o fato de até então não se requerer a devida qualificação
técnica ou profissional para preenchimento destas vagas no serviço público.
Está mudando tal percepção: já há
uma PEC (Projeto de Emenda Constitucional n. 21/2017, de autoria do senador
Ataides de Oliveira, do PSDB-TO) que pretende requerer tal exigência para
adequar a função comissionada com o talento técnico e profissional do indicado
para preenchê-la. Alguns Municípios brasileiros, como Florianópolis, já
deliberam projetos de lei que perfazem exigência semelhante aos seus comissionados;
enfim, a discussão está posta como forma de modernizar o Estado e aumentar a
eficiência de seus serviços.
A PEC altera dispositivos do Art.
37 da Constituição Federal para acrescentar que as nomeações para cargo em comissão de
livre nomeação e exoneração “deverão observar as qualificações
técnico-profissionais exigidas para o exercício do cargo”. Idêntica exigência é
acrescentada para as atribuições de direção, chefia e assessoramento, mesmo
para servidores efetivos.
Para Anastasia, critérios claros
e objetivos para as nomeações de cargos em comissão e funções de confiança são “(..) um meio para se promover a valorização dos bons profissionais no serviço
público, além de reduzir sua vulnerabilidade às circunstâncias do clientelismo
que ainda permeia o ambiente político”.
O tema também foi objeto de
discussão, em 2017, ao examinar-se a nomeação do filho do prefeito do Rio de Janeiro,
Marcello Hodge Crivella, no cargo de Secretário Municipal de Governo, impedida por
liminar concedida junto ao STF.
O atual texto constitucional,
segundo a redação dada pela EC19/98, assim dispôs:
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de
provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou
emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
[...]
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
A expressão “livre nomeação e
exoneração” nos remete à ideia de que o cargo em comissão compreende natureza transitória,
com atribuição de direção, chefia e assessoramento, ocupados por pessoas extraquadro
(de fora do quadro funcional da Administração Pública), e o ocupante, mesmo que
precariamente, é um servidor público, investido de atribuições e responsabilidade
próprias de um servidor, e de um cargo previsto e criado por Lei.
Os cargos em comissão são
completamente compatíveis ao princípio republicano, em que se faz necessária a
presença, na Administração, de uma equipe de confiança dos gestores que nomeiam
comprometidos com o plano de governo, com a práxis e a filosofia às políticas
públicas que pretendam adotar e implementar. No provimento de cargos em
comissão, observa-se a maior absoluta confiança das autoridades.
Tendo em vista que o ocupante do
cargo em comissão é considerado, quanto ao gênero, um servidor público, a eles
se aplicam o mesmo regramento legal dos ocupantes de cargo de provimento
efetivo, anotando-se algumas peculiaridades inerentes a esse tipo de provimento,
tais como a ausência de concurso público, livre nomeação e exoneração, etc...
Nesse sentido, de acordo com obvio bom senso, e em tese
esposada amplamente pelos órgãos do Ministério Público em todo o país, pela
doutrina e em jurisprudência que vem se firmando, deve haver um nexo de
pertinência entre a qualificação do candidato e a atividade a ser desempenhada,
em obediência ao princípio da razoabilidade, moralidade, impessoalidade e
eficiência. A falta de qualificação, sem dúvida, pode comprometer a eficiência no
exercício das funções de direção, chefia e assessoramento.
Embora expressamente
previsto no texto constitucional que os cargos comissionados destinam-se às
funções de direção, chefia e assessoramento, o STF já declarou a
inconstitucionalidade de norma estadual que criou cargos em comissão sem tais requisitos, na ADI 3.706, relatada pelo Ministro Gilmar Mendes, cuja
ementa segue abaixo transcrita:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA
CARGOS EM COMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37,
INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO. 2. Os cargos em comissão criados pela Lei nº
1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas
e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção
exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. 3.
Ação julgada procedente. (ADI 3706/MS, Pleno, julgada em 15.08.2007)
A nomeação dos ocupantes dos
cargos comissão é um ato discricionário da Administração Pública. Contudo, esta
competência deve-se ater aos limites legais, destacando-se a observância às
regras legais e aos princípios administrativos, de modo que o ato de nomeação
de tais servidores não deve estar contaminado de critérios meramente subjetivos,
favoritismos, e parentesco, ou
compadrios, mas sim com base em parâmetros determinados que privilegiem o merecimento
do ocupante daquele múnus público.
Na verdade, não se mostra
compatível com a democracia republicana, preconizada pela Constituição de 1988,
a nomeação de pessoas para exercerem cargo comissionado desprovidas de qualquer
qualificação, grau de escolaridade, capacitação ou virtude necessária ao desempenho
funcional, sob pena de violação, dentre outros, dos princípios da moralidade,
eficiência e impessoalidade nucleares ao exercício da Administração Pública,
além de improbidade administrativa; Sobre o assunto, julgado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul abordou exatamente a questão
da inexistência de pertinência entre o grau de escolaridade do cargo em
comissão e a sua atribuição:
Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 828/2011 (PARTE
DOS ANEXOS II E V) DO MUNICÍPIO DE PEDRAS ALTAS. CARGOS EM COMISSÃO DA CÂMARA
MUNICIPAL. ASSESSOR FINANCEIRO E ASSESSOR CONTÁBIL. VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE
MATERIAL EVIDENCIADO. 1. Os cargos em comissão de Assessor Financeiro e
Assessor Contábil, criados pelo ato normativo impugnado, estabelecem
atribuições meramente burocráticas e administrativas, não se adequando à
normativa constitucional que exige excepcionalidade nesta espécie de
provimento. 2. A baixa escolaridade exigida - 1º grau completo - para o provimento
dos referidos cargos não se compatibiliza com as funções de supervisão
financeira e contábil. 3. Violação aos
arts. 8º, 20, § 4º, e 32, caput, todos da Constituição Estadual, combinados com
o art. 37 , II e V , da Carta Federal.
AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Grifos, Ação Direta de Inconstitucionalidade
Nº 70053832986, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel Dias
Almeida, Julgado em 16/09/2013)
Cabível, ainda, mencionar julgado do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo no sentido de que a nomeação de ocupante de cargo
comissionado com escolaridade distinta da prevista em lei configura improbidade
administrativa, por violação aos princípios administrativos previstos no artigo
11 da Lei n.° 8.429/92.
Recomendações análogas tem sido expedidas aos gestores municipais e estaduais pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, que questionam a qualificação, mas a desproporção geralmente verificada entre os cargos de chefia, assessoramento e de servidores dos órgãos.
Afinal, para a ocupação legal de
um cargo, deve-se em muito boa parte dos casos, requisitar comprovação de que o
ocupante de cargo comissionado possui formação de ensino superior, ou adequada
para as funções pretendidas; verificar o devido nexo de pertinência entre a capacitação
e atribuições a serem exercidas pelos ocupantes de cargo comissionado de
recrutamento amplo e restrito; caso inexistente o referido nexo, sugere-se a
expedição de recomendação a fim de que o administrador exonere a pessoa nomeada
sem os requisitos de qualificação, sob pena de incidir nas sanções de
improbidade administrativa (Art. 11 da Lei n. 8.429/92), prevenindo-se eventuais
responsabilidades do Poder Público decorrente da nomeação ilícita, evitando-se
danos ao erário.
Entendemos, que pelos princípios constitucionais
e legais, deve-se estabelecer um limite para os cargos em comissão, em relação
ao total de cargos efetivos de cada órgão ou entidade da administração pública,
bem como exigir capacitação específica, conhecimentos técnicos-científicos e/ou
experiência na função para o desempenho dos cargos em comissão e funções de
confiança nos postos de direção, chefia e assessoramento.
Tais medidas, devidamente
observadas, e consagradas por lei expressa, atingirão certamente o objetivo não
somente de moralizar as indicações para as chefias no serviço público, mas irão
render níveis melhores de eficiência nestas funções, mesmo que ainda guardem
compromisso de vínculo político com os gestores ocupantes de mandato
transitório, mas darão ao serviço público qualidade e vivência técnicas que
todos merecemos para a modernização do Estado Brasileiro.
Excelente e esclarecedora matéria. Parabéns, Vinicius Cordeiro. O despreparo de certos ocupantes dos chamados cargos em comissão é patente. O exemplo mais recente e gritante, aqui em terras fluminenses, personificou-se na indicação do sr. Bernardo Sarreta à diretoria da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa). Felizmente seu nome foi rejeitado por uma comissão da ALERJ, mas quantos outros que não preenchiam os requisitos técnicos mínimos, para várias áreas do Poder Público, passaram com pouco ou nenhum questionamento? Certamente, muitos. Se não fosse o imbróglio envolvendo a água podre da ETA (ou ETE?) Guandu, acredito piamente que qualquer um teria sido aceito para essa posição na Agenersa. Aqui na Prefeitura do Rio de Janeiro, conseguimos verificar diversos casos semelhantes, e aqui reitero o que foi evidenciado no texto, quando diz que “boa parte dos cargos comissionados são preenchidos por cabos eleitorais”. Há figuras integrando o alto escalão da municipalidade, indicados por Vereadores que parecem estar na Câmara Municipal apenas para livrar o “prefake” Crivella de processos de impeachment, que sequer nível superior e/ou experiência em gestão possuem.
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