Agora, após a eleição de Jair Bolsonaro, Trump, Duterte, Orban, e outros, vemos que o fenômeno inicial do chamado "fim do poder", tal qual conhecíamos, é um fato. E um fato mundial: não se restringe à Europa, não é um "modismo" europeu, ou norte-americano - o derretimento do Poder dos Estados Nacionais é um fato, e a vida no mundo tem ficado mais complexa e complicada a medida que esse processo político-social e histórico avança.
Há na academia, explicações e interessantes estudos - como o recente "como as democracias morrem", a recente entrevista e publicação da ex Secretária de Estado dos Estados Unidos Madeleine Albright, republicana da Velha Ordem e judia, que variam em geral sob o tema autoritarismo no qual novos políticos tem levado as suas sociedades, com o discurso de retomar a Ordem, salpicado com temas conservadores, e defesa da família ou ainda temas religiosos.
Ainda há o livro "Ruptura", de Manuel Castells, no qual uma crise ainda mais profunda, mãe de todas as outras: a ruptura da relação entre governantes e governados, a desconfiança nas instituições e a não legitimidade da representação política. Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação: a democracia liberal.
Ainda há o livro "Ruptura", de Manuel Castells, no qual uma crise ainda mais profunda, mãe de todas as outras: a ruptura da relação entre governantes e governados, a desconfiança nas instituições e a não legitimidade da representação política. Trata-se do colapso gradual de um modelo político de representação: a democracia liberal.
Certamente que o fenômeno é mais complexo e mais profundo, já que envolve a ruína das democracias liberais, dos partidos políticos, instituições judiciárias, todas massacradas pela mídia e pelas redes sociais, que fazem um competente trabalho de demolição generalizada.
Mas ao invés de liberdade, e mais democracia, vemos florescer ideias autoritárias e conceitos de Estado mínimo, autoritarismo, baixos índices de solidariedade social, individualismo. Vários políticos tradicionais tentam se adaptar Às novas tecnologias e os novos tempos.
Aqui no Brasil, ainda vemos a demolição de boa parte das lideranças políticas, envolvidas com o velho modelo de financiamento de campanha, com escândalos que se sucedem de corrupção. Agora, mais recentes, temos os resultados eleitorais na Andaluzia, que mostram a chegada ao sistema politico espanhol de outra agremiação de extrema direita, a Vox, com ideias sintonizadas com todo o movimento que descrevemos em vários países, e a irrupção das manifestações dos coletes amarelos, que atuam na Holanda, Bélgica, Bulgária e na França, fazendo com que se escancare a derrocada do sistema partidário francês, como mais um capitulo da Ruptura Política mundial em relação à democracia liberal do Século XX.
foto: manifestação dos coletes amarelos nas ruas de Paris (2018)
Enfim, publico aqui na íntegra o excelente artigo do cientista político e professor da Sorbonne Luiz Felipe Alencastro no site Uol, que fala dos fatos recentes na França, e correlaciona de forma sintética e brilhante com outros fatos em todo o mundo.
Manifestações em Paris escancaram derrocada dos partidos tradicionais
LUIZ FELIPE DE ALENCASTRO
"As manifestações em Paris e a perplexidade do presidente Emmanuel Macron frente ao movimento popular que se opõe ao seu governo é mais um sinal do desgaste institucional das democracias ocidentais. Para explicar as manifestações, marcadas pelos enfrentamentos mais violentos sucedidos desde maio de 1968, a mídia parisiense tem exposto análises parcialmente baseadas na história nacional. A hostilidade da província à capital francesa, centralizadora e alegadamente afastada da vontade popular, a resistência aos novos impostos e os surtos insurrecionais que permeiam a vida política são, de fato, traços tradicionais da história do país. Junte-se a inexperiência de Macron, alçado à presidência sem ter exercido nenhum mandato eleitoral anteriormente e, mais importante ainda, a inconsistência de seu partido.
Fundado há dois anos e meio e composto por uma maioria de deputados novatos o partido de Macron, La Republique em Marche (LREM), não está enraizado na sociedade francesa.
As surpresas políticas dos últimos tempos, algumas com consequências graves nos países onde elas ocorreram, contêm esta mesma mescla de passado e presente. Quando os eleitores do Reino Unido votaram em favor do Brexit (junho de 2016), houve analistas que associaram velhas (nostalgia da hegemonia imperial) e novas (ojeriza aos imigrantes) peculiaridades britânicas para interpretar o resultado do referendo.
A mesma coisa aconteceu na vitória de Donald Trump (novembro de 2016). Foi dito então que a eleição de uma vedete da televisão e outsider político, vencedor de presidenciáveis republicanos mais experientes nas prévias e da candidata democrata favorita na presidencial, anunciava o retorno do isolacionismo e do protecionismo americano dos anos 1920-1930.
No caso do sucesso da extrema-direita xenófoba na Itália, da virada autoritária na Hungria e na Polônia, ou ainda na vitória do Syriza, aliança da esquerda radical, na Grécia, os editorialistas também sublinham fatores referentes à história nacional de cada um destes países.
Tais explicações ligadas a causas nacionais, de fundamento histórico, possuem toda pertinência e continuam válidas. Mas a sequência das revoltas eleitorais e populares guarda uma característica comum que inspira uma interpretação mais geral.
Ocorreu, e ainda está em curso, tanto nas velhas democracias (Estados Unidos, Reino Unido, França), como nos países saídos de ditadura e mais recentemente dotados de regime democráticos (Grécia, Polônia, Hungria) um esgotamento das lideranças tradicionais e das máquinas partidárias que asseguraram, até os anos recentes, o equilíbrio institucional desses países.
Em consequência da globalização, do aumento do fluxo imigratório e da grande recessão iniciada em 2008, cujos efeitos ainda pesam sobre alguns países, sucederam mudanças culturais, sociais e políticas que escapam aos partidos, às corporações e aos sindicatos. Neste contexto mais amplo, o impulso que a mídia social, Facebook ou WhatsApp terá dado à insatisfação e às revoltas eleitorais advindas em tal ou tal país, é apenas um sintoma, e não a causa dos desastres políticos."
texto publicado no portal UOL: https://noticias.uol.com.br/blogs-e-colunas/coluna/luiz-felipe-alencastro/2018/12/06/manifestacoes-em-paris-escancaram-derrocada-dos-partidos-tradicionais.htm
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