Pular para o conteúdo principal

A FIDELIDADE PARTIDARIA

"Não fazer acordo com a parte contrária/Isso é fidelidade partidária"
(Samba de Nei Lopes, tambem advogado)

O instituto da fidelidade partidária é um conceito que tem raízes no Brasil, mas não é consensual em todo o mundo. Nos países que mantem a tradição do parlamento britânico, como o Canadá, Estados Unidos, Australia e outros, até porque tem um sistema eleitoral lastreado no voto distrital uninominal, onde o representante sai eleito por grupos arraigados a uma base geográfica, com hábitos e tendências politicas conhecidas, é largamente aceito o "cross the floor", que é trocar de lado no parlamento, na troca de grupo partidário. Os  eventos envolvendo as trocas partidárias são raros, e referem-se em boa parte, ao processo de criação de novos partidos. Ou mesmo uma dissidência pontual. 

Há países, porem, onde a representação se faz por voto de lista partidária, onde se coibe expressamente, a troca de partidos, com a imediata destituição do representante, ou parlamentar, como em Portugal, Venezuela, e outros mais recentemente, como a Africa do Sul, adotam a sanção da destituição como preço a pagar pela infidelidade.

A discussão no Brasil não é nova. a legislação partidária durante o regime militar previa punições ao parlamentar que desobedecesse diretrizes, decisões partidárias ou confrontasse a vontade da sua Bancada. Variavam da destituição de cargo na mesa, comissão, cargo na bancada, podendo chegar até à perda do mandato. Tais normas foram postas em xeque por ocasião da redemocratização, quando o TSE liberou da regra de fidelidade os membros do colégio eleitoral, majoritariamente composto pelo partido governista, a ARENA, depois PDS, seu sucedâneo, que ganhou uma volumosa dissidência, após a vitória de Maluf em uma convenção interna do partido de sustentação ao regime militar. Os dissidentes se organizaram na chamada "Frente Liberal", e votaram com Tancredo Neves, do PMDB, viabilizando a vitória dos oposicionistas. 


Resultado de imagem para tancredo neves
FOTO: Decisão do TSE viabilizou a vitória de Tancredo, no PMDB, aliado à Frente Liberal, de José Sarney, que o indicou como candidato a vice na chapa vencedora, em 1984.

O regramento da fidelidade foi flexibilizado, ou mesmo mitigado, com o advento da Constituição de 88, que somente previa sanções que não a perda do cargo, e encarou a antiga regra como "algo da ditadura militar", ou mesmo de restrição à vontade popular que elegeu o parlamentar. Mas os anos 90, e seguintes assistiram ao enfraquecimento total dos partidos brasileiros, e o troca troca espantoso, sem precedentes nas democracias de todo o mundo: somente em 2002, mais de 250 trocas de partido no congresso brasileiro. Outras milhares nas Assembleias e Câmaras Municipais. 

As trocas de partido no Brasil ficaram limitadas a temas pouco republicanos: maior tempo de TV e rádio, cargos no parlamento, vantagens nos partidos governistas locais, estaduais ou federais, entre outros motivos não-nobres.

O ativismo judicial resolveu aquilo que o parlamento não quis regulamentar ou estancar: O TSE editou a Resolução n. 22.610, em 27 de março de 2007, respondendo a uma consulta do Democratas, estabelecendo o entendimento que os partidos ou suplentes poderiam requerer a destituição dos parlamentares que migrassem, na chamada "desfiliação imotivada". O TSE posteriormente isentou desta regra os senadores, e ocupantes de cargos majoritários, restringindo o alcance aos eleitos pelo sistema proporcional, protegido pela referida norma.

Como motivação admitida para o cambio partidário, o TSE, na ocasião, relacionou a criação de partido, incorporação ou fusão com outra legenda, discriminação pessoal ou mudança na linha politica ou programática do partido. Criou a dita Resolução, um prazo para requerer o mandato de 30 dias para o partido, apos a saída do parlamentar, ou de mais 30 dias, para o suplente imediato, diretamente interessado, desde que da mesma legenda do refratário.

Já no ano seguinte (2008), tramitaram mais de 9000 processos/requerimentos de desfiliação imotivada, em todo o país. Gradualmente, o número foi se estabilizando. Afinal, a reforma eleitoral de 2015 elaborou o art. 22-A da Lei nº 9.096/95, introduzindo na legislação as hipóteses de justa causa de desfiliação partidária, alterando o que até então disciplinava a Resolução nº 22.610 do Tribunal Superior Eleitoral. A nova norma exclui como hipóteses de justa causa a criação, fusão e incorporação de partidos, que agora não mais autorizam a mudança de agremiação. 

Além disso, criou-se uma exceção à regra da fidelidade partidária, pois passou- -se a considerar “justa causa para a desfiliação” a mudança de partido, ainda que imotivada, efetuada durante o período de 30 (trinta) dias que antecede o prazo mínimo de filiação partidária previsto no art. 9º da Lei nº 9.504/97, relativo à eleição do cargo ocupado por aquele que muda de partido. Foi apelidada, com alguma impropriedade, de "janela" para a desfiliação. Eis o teor do dispositivo incluído:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. 

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II – grave discriminação política pessoal; e III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

Mesmo com normatização em lei ordinária e a estabilização do conceito da desfiliação imotivada - até porque a fidelidade partidária é somente sancionada pela Lei n. 9096/95 com a suspensão ou desligamento da bancada, perda de vaga em comissão ou cargo partidário, o novo instituto sofreu novo abalo, ao ser aprovado, na lei eleitoral de 2017, em outra minirreforma, uma nova "janela" de duração provisória, apenas válida para aquele ano. De qualquer forma, tende-se a equilibrar o quadro partidário, e os casos de migração partidária tem sido contidos com a edição legal do tema.

Enquanto alguns argumentam que o instituto deu aos parlamentos um mínimo de estabilidade partidária, os críticos objetam que os partidos não ganharam mais força com os dispositivos. Sou da opinião que na verdade, o sistema eleitoral lastreado em personalidades faz com que os dispositivos sejam uma camisa-de-força temporária, não guardando correlação com a melhoria das práticas republicanas ou parlamentares.

Comentários

Postagens Mais Visadas do Blog

AS CANDIDATURAS INDEPENDENTES: UMA DISCUSSÂO NECESSÁRIA

Nas discussões da reforma política, em 2015, reapareceu uma discussão necessária, acerca da possibilidade do lançamento e registro de candidatura avulsas, ou sem vínculo partidário. No Brasil, como veremos, é norma constitucional o vínculo, diferentemente da maior parte dos países em todo o mundo. Nosso país adota o vínculo obrigatório aos partidos desde a Lei Agamenon Magalhães, e tanto o Código Eleitoral e os textos constitucionais vem mantendo tal obrigação, agora presente no texto de 1988 como uma das condições de elegibilidade. O constitucionalista Jose Afonso da Silva destaca o fato dos partidos serem os canais por onde se realiza a representação política do nosso povo, não se admitindo candidaturas avulsas; já Celso Ribeiro Bastos fala da dependência visceral da democracia dos partidos políticos, muito embora, quase que prevendo a atual discussão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho advertia que os partidos deixam de cumprir sua função quando são dominados por oligarquias, quan

NOVAS REGRAS PARA AS ELEIÇÕES 2020

Praticamente, não há alterações na legislação eleitoral em 2020, a não ser algumas poucas, na propaganda e financiamento. Mas é curioso ver cursos e profissionais "vendendo" a ideia de como se as mudanças de 2015 e 2017 fossem novas. A grande inovação na verdade, é a aplicação e vigência da proibição das coligações proporcionais, o que já era conhecido desde 2017, com o advento da Emenda Constitucional n. 97; Mudam a estratégia, a tática eleitoral e diminuirá certamente o número de partidos e candidatos em 2020. Destaco que o número de candidatos não se modificou. Continua em 150% do número de vagas a preencher. Sendo que, no caso de fração igual a 0,5, arredonda-se para cima. E a interpretação para as vagas de gênero (em geral, de mulheres) de 30% é no sentido de que, em caso de fração, igual a 0,1 ou abaixo mesmo de 0,5%, o número se arredonda para cima. No caso de 17 candidatos, o número da cota será de 6 (arredondado de 5,4).  A regra de 200% para "coligação p

STF caminha para alterar regra do cálculo das sobras

O STF iniciou julgamento em plenário virtual, sobre três casos que questionam os critérios para distribuição das sobras das cadeiras no Congresso, na verdade, a chamada terceira fase de distribuição das vagas das sobras eleitorais; Os partidos que acionaram a Corte Maior pretendem que sejam incluídas todas as legendas que participaram das eleições, independentemente do quociente eleitoral alcançado. As ações ficaram sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, que apresentou voto, considerando que a norma atual restringe a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, violando os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito. P ara o relator, todas as legendas e seus candidatos devem participar da distribuição das cadeiras remanescentes (sobra da sobra), independentemente de terem alcançado a exigência do percentual do quociente eleitoral, que se constituiria em uma cláusula de barreira, na prática; Para Le