A Constituição Federal, no seu artigo 225, atribui aos animais um mínimo direito: o de não serem submetidos à crueldade. Todos têm o dever de respeitar a vida e a integridade física do animal, vedando expressamente às práticas que coloquem em risco sua existência e os maus-tratos. A proteção animal e ambiental se insere nos direitos fundamentais do homem, da própria dignidade humana.
De fato, o Brasil se inclui dentre os países que vedam, em sua própria Constituição, a prática de crueldade contra os animais. Logo após, as Constituições Estaduais produziram normas semelhantes. Posteriormente editada, a Lei Federal nº 9.605/98 atribuiu o direito de se respeitar os animais não humanos (art. 32, §1º), e normatizou os chamados crimes ambientais. Como veremos, não só no Brasil, mas também Suíça, Áustria e Alemanha tornaram uma realidade o chamado direito animal constitucional, elevando o conceito de dignidade a um novo patamar, alem do notável avanço de normas de proteção em outros países.
Mas antes da proteção Constitucional existir, o processo foi longo. Das Ordenações Filipinas, passa-se, segundo Laerte Levai, ao registro de uma norma para proteger animais de quaisquer abusos ou crueldade. Ou seja, o código municipal paulistano de Posturas, de 6/10/1886, que estabeleceu (art. 220) para cocheiros, condutores de carroça a proibição de maltratar animais com castigos bárbaros e imoderados, prevendo multa. Lembrando que, na mesma cidade, a atividade de proteção animal levou à fundação, no ano de 1895, da União Internacional Protetora dos Animais (UIPA); a primeira entidade a ser fundada no Brasil e que difundiu a legislação em vigor nos países europeus no início do século 20.
No entanto, apenas em 1924, foi elaborado o primeiro dispositivo normativo de defesa da fauna, o Decreto Federal nº. 16.590, que regulamentou o funcionamento das casas de diversões públicas, e proibiu uma série de maus-tratos aos animais.
Porém, foi o Decreto 24.615, de 10 de julho de 1934, que entrou em vigor com a implantação do Estado Novo, que introduziu pela primeira vez, no Brasil, normas concretas de proteção animal, sob instâncias da UIPA, primeira entidade de defesa animal no país; Em 1941, o Decreto-Lei nº. 3.688 (Lei das Contravenções Penais) iria proibir, em seu artigo 64, a crueldade com os animais:
Artigo 64. Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo: Pena – prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa.
§ 1º – Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§ 2º – Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.
Contudo, a constitucionalização somente viria finalmente em 1988, momento em que as normas ambientais adquiram status constitucional, o direito à proteção ambiental passando a ser considerado direito fundamental, não se restringindo apenas aos aspectos meramente jurídicos, mas também os aspectos éticos, biológicos e mesmo econômicos dos problemas ambientais em geral. O chamado “direito animal” reconhece um direito inerente a todos os seres vivos no patamar constitucional, bem como a vedação absoluta de toda e qualquer prática que submeta os animais à crueldade, devendo o Poder Público e a coletividade buscar a implementação de políticas públicas que visem concretizar esse comando, assim disposto:
Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(…)
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Ao incluir a proteção animal sob a tutela constitucional, o constituinte deu uma nova dimensão do direito fundamental à vida e do próprio conceito de dignidade da pessoa humana. Todos nós temos de concretizar o direito animal constitucional: os Governos, o Judiciário, os advogados, a sociedade civil, dentre outros. O Direito Animal Constitucionalizado visa não apenas produzir normas que obriguem o poder público e a sociedade civil a implementar esse mandamento constitucional da não crueldade para com os animais, mas gerar uma consciência social e coletiva a respeito.
Antes da proteção constitucional, o pioneirismo europeu pertenceu, em 1822, ao Império Britânico, seguido pela Itália (1848) e Alemanha (1838), com normas genéricas de proteção; Em 1911, o "Protection Animal Act" britânico foi a legislação mais notável sobre o tema, sendo reproduzida, com algumas variações, mundo afora. Várias nações inseriram normas específicas na sua legislação ordinária, mas a incorporação aos textos constitucionais é recente e restrita.
Destaque-se a aprovação da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, pela UNESCO, em 1978, proclamando todos os animais nascem iguais, e tem direito à existência; na verdade, esse documento é uma declaração, sem endosso governamental, mas serve como um divisor de águas, em nível mundial.
Tal qual o Brasil, a Alemanha, apenas em 21 de junho de 2002, garantiu em sua Lei Fundamental, direitos aos animais (art. 20-A). Após a tramitação durante quase um decênio no Parlamento, inseriu-se a obrigação estatal de desenvolver políticas de proteção específicas. Outro país a inserir dispositivo semelhante foi a Áustria, no artigo 11, §1º de sua Constituição, que estabelece o dever estatal de elaborar normas de proteção aos animais. Em 2004, foi aprovada uma nova lei para a proteção animal no país.
Na verdade, o primeiro país europeu a proteger constitucionalmente os animais foi a Suíça. Há mais de 100 anos (1893), o país proíbe, em sua constituição, o abate de animais sem anestésico. No artigo 80 da Constituição desse Estado, é conferido ao Parlamento o dever de fazer uma legislação de proteção animal para todo o país e desde 1992, os deveres para com os animais foram aumentados, ao se estabelecer na Constituição, no atual Artigo 120, nº 2, a “dignidade das criaturas”, conferindo um valor inerente a todos os seres vivos não humanos.
Não podemos deixar de registrar que a Constituição equatoriana de 2008 (art. 71) consagrou a natureza como sujeito de direitos, em um texto inovador, conferindo ampla proteção em todos os sentidos ao ambiente, e a fauna em geral. Na Espanha, o parlamento espanhol aprovou uma resolução garantindo direitos legais aos grandes primatas. A norma visa a obrigar o Estado a legislar visando a proteção animal, e proibir a utilização de grandes primatas em circos e pesquisas científicas. Nesse contexto, procura-se inserir na Constituição Europeia a responsabilidade com os animais. No projeto atual, já se encontra norma (art. 21, III) que propõe-se proteger os animais sencientes de serem submetidos à crueldade em práticas agrícolas, no transporte de animais e na pesquisa científica e espacial. Afinal, com a atual proteção constitucional aos animais, resguarda-se de quaisquer retrocessos legais em relação ao tema.
Mas, como vimos recentemente na recente discussão das vaquejadas, e do transporte das cargas vivas para abate, ou na resistência em muitas cidades para que se proíba ou regulamente a tração animal, há um grande caminho a se percorrer para dar efetividade plena à norma constitucional. (artigo publicado originalmente no site de notícias PLENO NEWS, in https://pleno.news/opiniao/vinicius-cordeiro/opiniao-vinicius-cordeiro-e-bruna-franco-o-direito-animal-e-sua-protecao-constitucional.html escrito em conjunto com Bruna Franco´, em 1/3/2018)
Observação final: após a publicação deste artigo, a Câmara discute o aumento da pena de maus tratos prevista na Lei n. 9605 (Lei de Crimes Ambientais, para 1 a 3 anos, com algumas hipóteses de aumento de pena)
Vinicius Cordeiro é advogado, ex-Secretário de Proteção Animal do Rio de Janeiro |
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