Recentemente, os senadores Fabiano Contarato (ES), Randolfe Rodrigues (AP) e Joênia Wapichana (RR), da Rede, apresentaram requerimento ao STF pelo impeachment do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A decisão do ministro Edson Fachin foi a de determinar o arquivamento do pedido protocolado pelos parlamentares em 22 de agosto de 2019, pouco antes de virem a público as primeiras manchas de óleo no litoral nordestino.
Em seu despacho, publicado ontem, Fachin citou entendimento de ministros da Corte segundo o qual “é do Ministério Público – e não de particulares – a legitimidade ativa para denúncia por crime de responsabilidade”. E que “os requerentes não detêm legitimidade para fazer instaurar o procedimento de apuração de crime de responsabilidade”.
Para os então requerentes, utilizou-se como embasamento jurídico o fato do impeachment de ministro de Estado ser previsto na Lei n. 1.79, de 10 de abril de 1950, que define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento, que cabe ao Senado. Em caso de condenação, o presidente do Senado fixará o prazo de inabilitação do ministro condenado para o exercício de qualquer função pública. E no caso de haver crime comum deliberará ainda sobre a possível submissão à justiça ordinária, independentemente da ação de qualquer interessado.
Conforme a mesma lei, é permitido a qualquer cidadão denunciar o presidente da República ou ministro de Estado, por crime de responsabilidade, perante a Câmara dos Deputados. E que a denúncia só poderá ser recebida enquanto o denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado definitivamente o cargo.
Posteriormente, outro pedido foi apresentado junto ao STF em fevereiro de 2020, e relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, por outros Congressistas, membros da comissão de educação da Câmara dos Deputados, requerendo o impeachment do Ministro Abraham Weintraub, da Educação, devido aos erros na correção do ENEM em 2019, e no uso de redes sociais para ofender cidadãos. Novamente, o pedido foi embasado pelos arts. 4o, 7o e 9o, alem do art. 13, I, da mesma Lei n. 1.079/50.
Posteriormente, outro pedido foi apresentado junto ao STF em fevereiro de 2020, e relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, por outros Congressistas, membros da comissão de educação da Câmara dos Deputados, requerendo o impeachment do Ministro Abraham Weintraub, da Educação, devido aos erros na correção do ENEM em 2019, e no uso de redes sociais para ofender cidadãos. Novamente, o pedido foi embasado pelos arts. 4o, 7o e 9o, alem do art. 13, I, da mesma Lei n. 1.079/50.
(foto) O Ministro Weintraub foi questionado por parlamentares, que pediram seu impeachment por falhas reiteradas nas provas do ENEM e mensagens ofensivas em redes sociais.
O relator rejeitou o pedido, decidindo pelo arquivamento, novamente por entender a falta de legitimidade dos Congressistas, para pedir o impeachment de ministros de estado perante a Suprema Corte.
Destaco aqui parcela do parecer da PGR, elucidando novamente o mesmo entendimento do STF, a saber:
"(..) Os requerentes carecem de legitimidade ativa ad causam
para apresentarem a presente denúncia pela prática dos crimes
de responsabilidade atribuídos ao Ministro de Estado da
Educação, Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub.
A jurisprudência da Suprema Corte distingue as situações
de responsabilização dos Ministros de Estado por infrações
político administrativas conexas com crimes da mesma
natureza praticados pelo Presidente da República, daquelas
outras em que há imputação restrita aos Ministros de Estado,
sem conexão com crimes do Presidente (Pet 1.954, Rel. Min.
Maurício Corrêa, Pleno, DJ 01.08.2003; Pet 1.104, Rel. Min.
Sydney Sanches, Pleno DJ 21.02.2003; Pet 7.514, Rel. Min. Luiz
Fux, DJe 29.08.2018; Pet 1.392, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ
31.03.2003 e Pet 1.986, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 13.02.2003).
Na primeira ocorrência, é reconhecida a natureza política
do processo de crime de responsabilidade, do que decorre a
legitimidade para denúncia de qualquer cidadão no exercício
pleno de direitos políticos. Em casos tais, a acusação está sujeita
à avaliação de procedência pela Câmara dos Deputados (art. 51,
I, da CF), e o processo e julgamento é da competência privativa
do Senado Federal (art. 52, I, da CF).
Já na segunda hipótese, de reconhecida natureza judicial,
o processamento e julgamento dos fatos tramitam perante
Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, "c", da CF). O julgamento
proferido alinha-se a um juízo técnico-jurídico, precipuamente
vinculado ao estrito exame de subsunção do fato à norma.
Sobressai o caráter penal da acusação, do que decorre a
exclusividade do Ministério Público para oferecer a inicial
acusatória.
No caso dos autos, os requerentes imputam ao Ministro de
Estado da Educação condutas autônomas, não conexas com
infração político-administrativa da mesma natureza praticada
pelo Presidente da República. Dessa feita, de modo que a
legitimidade ativa para denúncia é do Ministério Público - art.
129, I, da CF - (Pet 1.104, Rel. Min. Sydney Sanches, Pleno DJ
21.02.2003). (..)"
Este BLOG selecionou trecho do voto do relator explanando a decisão de forma clara:
"(..) Saliento, desde logo, que os Ministros de Estado são processados e
julgados: (i) por esta Suprema Corte, nos crimes comuns e nos de
responsabilidade que cometerem sem conexão com o Presidente da
República; e (ii) pelo Senado Federal, após autorização da Câmara dos
Deputados, nos crimes de responsabilidade conexos com aqueles
praticados com o Presidente da República (concurso de pessoas na
prática do crime de responsabilidade).
Com efeito, a referida compreensão hermenêutica tem amparo na
simples exegese dos arts. 52, I, e 102, I, c, ambos da CF/88, verbis:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:
I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os
Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército
e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com
aqueles;”
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal,
precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente: […]
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da
Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto
no art. 52, I, os membros dos Tribunais Superiores, os do
Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática
de caráter permanente; […].”
Assinalo, a propósito, que há precedentes desta Suprema Corte
nesse sentido. Confira-se, v.g., trecho do voto proferido pelo Ministro
Maurício Corrêa na Pet. 1.954/DF:
“[...] Diversa, porém, é a hipótese em que a acusação
restringe-se à figura do Ministro de Estado, sem que haja
conexão de crimes com o Presidente da República, cuja
competência para o julgamento é do Supremo Tribunal Federal
(CF, artigo 102, I, “c”). O processo dar-se-á perante o Poder
Judiciário e não mais no âmbito do Poder Legislativo,
evidenciando-se sua natureza judicial. Como se vê, é outro o
procedimento, tanto que inaplicável a exigência de verificação
do requisito de procedibilidade por parte da Câmara dos
Deputados (QCRQO 427, Moreira Alves).”
Convém destacar, outrossim, que não ignoro a existência de
razoável divergência, especialmente no campo doutrinário, em torno da
natureza jurídica do crime de responsabilidade, a saber: (i) infrações
político-administrativas, ou; (ii) infrações revestidas de natureza
jurisdicional (criminal).
Rememoro, contudo, que é assente o entendimento jurisprudencial
do Supremo Tribunal Federal no sentido de firmar a natureza penal do
processo de impeachment dos Ministros de Estado, por crimes
(autônomos) de responsabilidade. Destaco, nesse sentido, trechos dos
votos constantes da Pet. 1.104/DF, de relatoria do Ministro Sidney
Sanches:
“[...] E foi a existência dessa controvérsia, pertinente à
definição da natureza jurídica do crime de responsabilidade -
que, para alguns, situa-se no plano político-constitucional
(PAULO BROSSARD, O Impeachment, p. 82, item nº 56, 2ª ed.,
1992, Saraiva; THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, "A
Constituição Federal Comentada", vol. II/274-275, 1948,
Konfino; CASTRO NUNES, "Teoria e Prática do Poder
Judiciário", vol. 1/40-41, item n. 2, 1943, Forense, v.g.) e, para
outros, qualificando-se como instituto de direito criminal
(AURELINO LEAL, "Teoria e Prática da Constituição Federal
Brasileira, Primeira Parte, p. 480, 1925, p. ex.) -, que certamente
levou o Plenário do Supremo Tribunal Federal a optar por
uma das correntes doutrinárias e a reconhecer, por efeito
dessa opção, a ausência de legitimidade ativa do cidadão para
formular denúncia, junto a esta Corte, contra Ministro de
Estado, por crime de responsabilidade, proclamando, ainda, a
inaplicabilidade da disciplina ritual fixada pela Lei nº
1.079/50 ao processo de impeachment instaurado perante este
Tribunal (RTJ 111/202, 206, Rel. Min. FRANCISCO REZEK),
‘verbis’:
“...compete a esta Casa processar e julgar,
originariamente, os Ministros de Estado. A regência de
semelhante feito é de ser encontrada no Regimento
Interno (....).
A seu turno, os arts. 230 e 231 do Regimento deixam
claro que a denúncia nos crimes de ação pública - e tal é o
caso dos crimes de responsabilidade - tem por titular o
Chefe do Ministério Público Federal."
O Plenário da Corte, que, em 1980, ao apreciar essa mesma
questão, enfatizou serem inaplicáveis, em relação Supremo
Tribunal Federal, as regras procedimentais fixadas pela Lei nº
1.079/50, assinalando, ainda, não caber ao cidadão (eleitor) o
exercício do poder de acusar Ministro de Estado, perante esta
Corte Suprema, pela suposta prática do crime de
responsabilidade:
"‘Notitia criminis’.
Petição que se toma por ‘notitia criminis’,
determinando-se o seu arquivamento, em face da
manifestação da Procuradoria Geral da República." (Pet nº
85-DF, Rel. p/ o acórdão Min. MOREIRA ALVES).” (grifei)
Como se nota, a distinção mostra-se essencial para a definição da
legitimação ativa. Isso porque, no caso de crimes de responsabilidade
autônomos contra Ministros do Estado, sobressai indene de dúvida
tratar-se, sob a ótica dos atributos processuais para o exercício da
jurisdição, de ação penal pública, cuja titularidade é do Ministério
Público.
Em outras palavras, verifico que não é possível estender aos
cidadãos a possibilidade de deflagar, perante esta Suprema Corte, o
processo de impeachment contra Ministros de Estado (por crime autônomo
de responsabilidade).
afinal, o voto se encerra, de forma cristalina da seguinte forma:
"(..)Diante desse panorama, a legitimação popular restringe-se ao
oferecimento da denúncia perante o Poder Legislativo, a envolver,
necessariamente, crimes conexos praticados pelo Presidente da
República. Logo, o sentido e alcance da autorização universal prevista no
art. 14 da Lei 1.079/1050, diploma legal que rege o processo dos crimes de
responsabilidade, cingem-se a autorizar a deflagração do processo de
impeachment no âmbito do Parlamento. (..)"
Deveriam os parlamentares irresignados dirigir representação ao Procurador Geral da República para que definisse pela abertura do pedido ou não de impedimento dos referidos ministros de estado. Essa questão relevante para o ponto de vista do Direito Constitucional de certa forma blinda e dificulta por parte de parlamentares o controle dos atos dos ministros de estado, aliás, por inércia do próprio parlamento que poderia e deveria cuidar da atualização do diploma legal de 1950, sem a devida revisão após o advento da Constituição-cidadã de 1988.
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