As mudanças rápidas que ocorrem no Brasil e no Mundo, no campo da política, da organização social, e mesmo em todas as formas de poder, seja o político, quando o social, religioso, sindical, econômico, etc, levam a uma obrigatória mudança em todos os parâmetros nos processos político-eleitorais. Não estamos falando de regras: ao contrário, as regras tentam reagir aos novos fatos, como as redes sociais, as fake news, a pós-verdade, à mídia instantânea, mas até que ponto muda o eleitorado e os próprios políticos, com a prática da compra de apoio eleitoral?
Temos por certo que boa parte do eleitorado nacional lida com a crise social, com o desemprego que tinha patamares elevados, e que, com certeza, irão aumentar com o advento da pandemia de 2020. A grande dependência econômica do eleitorado do poder local, soma-se, sobretudo, no interior do país, ao desemprego, à baixa escolarização, e mesmo entre empregados, à precarização da mão-de-obra, mesmo no setor público, onde se multiplicaram as contratações temporárias.
De um lado, esses fatos corroboram para o que seria uma tempestade perfeita, para a continuidade de eleições seguidas com o crescimento do abstencionismo de parte do eleitorado, desencantado com o processo político engolfado pelo poder econômico, e com o modelo de financiamento que sangrou os cofres públicos. Mas, de outro, cresceu de forma estratosférica, a possibilidade de fiscalização - com a mudança no regramento relativo às campanhas eleitorais, cada vez mais curtas, e independentes da TV aberta e dos rádios, com as regras rigorosas de financiamento e prestação de contas, e com a proliferação dos smartfones e câmeras, que fizeram os escândalos e abusos das autoridades irem rapidamente para as redes.
Em um quadro destes, cremos que ainda teremos - só que de forma mais dissimulada e com planejamento mais atento, o fenômeno incessante da compra de votos, que já foi evidente e mesmo irrefreável, com a boca de urna, cada vez mais dificultada, e a possibilidade de alguem conseguir gravar cenas de compra de votos explícita.
O fato que desde o mundo é mundo, num sistema minimamente democrático, ocorre isso: desde Roma, onde o chamado ambitus foi somente severamente reprimido na 1a fase da república, mas quase letra morta ao tempo de Julio Cesar, Crasso e Pompeu, todos célebres em comprar apoio eleitoral dispendendo grandes somas. Mesmo na Idade Média, já se encontrava em algumas repúblicas italianas, referências à tentativa de punir tais práticas.
Na legislação da maior parte das nações democráticas, sobretudo com o aparecimento dos Parlamentos, como o britânico, americano e outros, há no ordenamento jurídico destes países, punição ao crime da corrupção eleitoral. Podemos até dizer que inferimos o grau de democracia, verificando a ocorrência de punições por este motivo. O Brasil sempre teve eleições com grande grau de corrupção eleitoral, seja no eleitorado, e mesmo na compra de apoio partidário, e até o advento do voto eletrônico, sobre os órgãos apuradores.
Nem precisaria lembrar ao eleitor o que foi o escândalo da Proconsult (1982), ou a fraude generalizada de 1994, para ficar apenas no Rio de Janeiro, em tempos não tão recentes.
Na verdade, os códigos eleitorais sempre em sua parte criminal previram a corrupção eleitoral, estabelecida no art. 299, no atual codificação, de 1965, que traz o seguinte texto:
Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.
Na época, era a norma penal mais severa do Código de 1965. Mas a eventual (e rara) punição até os anos 90 - sem consequências práticas nos resultados das eleições, mesmo com o advento da Constituição de 1988, que trouxe a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, teve pouca efetividade até a entrada em vigor da Lei n. 9.504/97, a lei das eleições que trouxe a possibilidade de se questionar ainda durante o processo eleitoral, com as representações previstas no art. 96 da nova norma.
Tal fato levou a que a sociedade civil reclamasse, se mobilizasse, e passasse no Congresso Nacional a Lei n. 9.840/99, com apoio da CNBB, OAB e diversas outras entidades, a primeira de iniciativa popular, que instituiu em nosso ordenamento, com a punição rápida e mais eficaz da chamada captação ilícita de sufrágios, punida desta vez com a cassação do registro da candidatura, ou do diploma do candidato e multa, introduzindo o artigo 41-A na Lei n. 9.504/97. Complementando este arcabouço de diminuir a impunidade, temos tambem agora a inelegibilidade por oito anos, segundo a alínea "j", do art. 1o da Lei Complementar n. 64/90 (Lei das Inelegibilidades), alterada pela "Lei da Ficha Limpa", a Lei Complementar n. 135/2020.
Segundo o art. 41-A da Lei n. 9.504/97, constitui captação de sufrágios o candidato que se comportasse da seguinte forma:
"(..) doar, oferecer, prometer ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma."
A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fixou posteriormente diversos pontos e esclarecimentos sobre a aplicação da norma, como ser necessário verificar a potencialidade da conduta (comprar um voto já é crime, mas para a cassação, é preciso desequilibrar o pleito); é preciso que haja provas robustas (inconcussas) contra o acusado para condená-lo; e ainda, para caracterizar o crime é indispensável a prova de participação direta ou indireta, ou a anuência dos acusados, seja na forma de explícita, não bastando, para configurar o ilícito, o proveito eleitoral que com os fatos tenham obtido, ou a presunção de que desses tivessem ciência.
Outras importantes decisões foram as que o TSE considerou insuficiente a condenação baseada em testemunha solitária, mas afirmou, doutra feita, ser lícita a prova consistente em gravação ambiental feita por um dos interlocutores sem conhecimento do outro, desde que não haja causa legal de sigilo, tampouco de reserva da conversação, e, sobretudo, quando usada para defesa própria em procedimento criminal (RE nº 583937 QO-RG/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe de 18.12.2009). Tambem, em sede de julgados diversos, o TSE assentou que meras promessas políticas, de obras ou realização de programas não se constituem em captação de sufrágio.
Afinal, sobreveio a Lei n. 12.304/2009 (uma das mais recentes minirreformas eleitorais, que tambem ocorreram em 2013 e 2017) incluiu no artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 não ser necessário o pedido expresso de voto para caracterizar o crime. Diz o parágrafo primeiro do artigo que "para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir".
O Artigo 41-A mexeu com a política nacional. Tivemos milhares de processos nos pleitos municipais, principalmente, a partir de 2000, chegando a mais de mil nos pleitos de 2012 e 2016. Tivemos mesmo o caso de deputados federais e até governadores cassados pela norma. Mas outro fenômeno ocorreu, que foi a proliferação das liminares, que suspendiam o efeito imediato da norma, e a troca indesejável de prefeitos por até 3 a 4 vezes durante um processo na Justiça Eleitoral, instabilidade política e econômica, causada pela possibilidade de reversibilidade das decisões, até que se consumasse uma decisão final do TSE e mesmo até do STF, em ocasiões mais esparsas.
Mesmo com tal repressão, pesquisa realizada em 2014 demonstrou que pelo menos 28% dos entrevistados revelaram na ocasião ter conhecimento ou testemunhado essa prática ilegal. A pesquisa foi realizada pela empresa Checon Pesquisa/Borghi e ouviu quase dois mil eleitores de 18 a 60 anos em sete capitais, incluindo o Distrito Federal, de todas as regiões brasileiras e das classes sociais A, B, C e D.
Eis que mais uma norma fez com que se mitigasse o interesse dos derrotados em questionar as eleições, com o advento da minirreforma eleitoral de 2015, a Lei n. 13.165, que alterou o art. 224 do código eleitoral, terminando com a possibilidade do segundo colocado assumir o mandato, no caso da nulidade ser inferior a 50% dos votos, fazendo com que, na hipótese de cassação de registro, tivesse que ser realizada nova eleição.
Outra modificação importante na citada minirreforma de 2015, foi a alteração do art. 257 do código eleitoral, dando aos recursos das decisões de juízes ou Tribunais Regionais que versarem sobre cassação de diploma, afastamento do titular, ou perda do mandato eletivo, efeito suspensivo. Na prática, duram pelo menos dois anos, em média, o processamento de tais feitos, o que fez com que os questionamentos judiciais diminuíssem em muito. Cessaram portanto, a instabilidade, os problemas sociais, políticos e econômicos decorrentes das trocas de comando no executivo, mas se pune menos a captação de sufrágios. Mesmo assim, chegamos a quase uma dúzia de pleitos complementares para substituir prefeitos cassados no Estado do Rio de Janeiro entre 2017 a 2019, como em Rio das Ostras, Mangaratiba e mesmo Italva.
Infelizmente, em 2018, matéria da BBC ainda falava claramente na persistência da prática ilegal de compra de votos, na pressão exercida pelo poder político, no uso da máquina pública, no poder econômico, e na pressão exercida seja por traficantes de drogas, milicianos e o abuso de poder religioso.

O fato é que temos diversos instrumentos para questionar a compra de votos para embargar a eleição de um candidato a qualquer nível, inclusive após o pleito, por candidatos ou partidos, mas ainda há a repercussão na esfera penal, que continua a disposição de qualquer eleitor, que se pode valer da chamada "notitia criminis", ou de denúncia formulada pelo Ministério Público Eleitoral. Mas a partir do pleito de 2020, a proliferação de "smartphones", das redes sociais, podem se tornar, diversamente do efeito pernicioso das fake news, importante aliado no combate à compra de votos nos pleitos brasileiros.
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