Para dar um exemplo das relações da Coroa com os fazendeiros escravocratas, a residência da família imperial no Rio de Janeiro, o palácio da Quinta da Boa Vista, havia sido doada em 1808 por Elias Antônio Lopes, um português que fizera fortuna com o tráfico de escravos da África ao Brasil. a atividade escravocrata era bem rentável, e era importante dado para a economia do país.
A ordem jurídica brasileira em relação aos escravos baseava-se no direito luso, e no direito romano, e equiparava os escravos aos "semoventes, como animais domésticos, ou de tração.
A ordem jurídica brasileira em relação aos escravos baseava-se no direito luso, e no direito romano, e equiparava os escravos aos "semoventes, como animais domésticos, ou de tração.
Dom Pedro II tinha com a poderosa classe dos latifundiários uma espécie de acordo tácito por meio do qual a escravidão não seria abolida repentinamente. Em vez disso, seria eliminada de forma lenta, gradual e segura, de modo a não provocar nenhum grande abalo nas plantações, responsáveis pela sustentação política e econômica do Império.
Inicialmente, o país sofreu forte pressão do Império Britânico, que havia abolido a escravidão no início do Século XIX, e que incluiu a supressão do tráfico como uma das condições de reconhecer o novo Império Brasileiro, o que levou a se aprovar uma legislação restritiva do tráfico como resposta - em 1831, foi aprovada a Lei Feijó, ou Lei de Interrupção do Tráfico, jamais efetivamente cumprida, e referida então como uma lei "para ingles ver",
Com a intensificação da campanha britânica, que em 1845 aprovou Lei autorizando o apresamento de barcos negreiros que estivessem navegando em águas internacionais, o que levou o Brasil a encarar o problema novamente de forma mais séria. Enquanto isso, os escravos ainda eram utilizados como mercadoria muito cara, já que a Lei Euzébio de Queiroz (1850) proibiu de fato o tráfego negreiro e não era mais possível que os escravos fossem transportados de um lugar para outro.
Muitos escravos ganharam a liberdade, após lutar na Guerra do Paraguai, concluída em 1870. ademais, o Brasil escravocrata exigiu que o Paraguai libertasse seus escravos ao fim do conflito. A sociedade pátria questionou como nunca a instituição da escravidão. Foi o período de maior agitação da propaganda abolicionista, febre entre universitários, jovens, liberais, militares, religiosos e jornalistas. Destacaram-se na campanha a poderosa e crescente Confederação Abolicionista, e o jornalista José do Patrocínio, entre outros.
Vários foram os comícios (meetings), debates e discursos no que se tornou uma grande batalha parlamentar e social do abolicionismo, com manifestações de José Bonifácio, Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, Eusébio de Queiroz, Visconde do Rio Branco, Luiz Gama, Castro Alves e vários outros parlamentares e polemistas.
Foi buscando a abolição gradual que se aprovaram a Lei do Ventre Livre (ou Lei n. 2040, de autoria do conservador Visconde de Rio Branco, de 1871) e a Lei dos Sexagenários (ou Saraiva-Cotegipe, de 1885). Pela primeira, os filhos de escravas passaram a nascer livres, embora na prática ficassem sob a tutela dos Senhores de Escravos até os 21 anos, utilizados como mão-de-obra barata; pela segunda, os escravos passaram a ganhar a liberdade aos 60 anos, em mais uma lei gradualista.
O curioso é que a expectativa de vida na época para homens escravizados, segundo estudos, não passava dos 47 anos, e aos que chegavam nesta idade, desoneravam os senhores de escravos de sustentar e amparar sua velhice, na "liberdade".
O curioso é que a expectativa de vida na época para homens escravizados, segundo estudos, não passava dos 47 anos, e aos que chegavam nesta idade, desoneravam os senhores de escravos de sustentar e amparar sua velhice, na "liberdade".
A Lei do Ventre Livre ainda estabelecia a constituição de um fundo de emancipação, regulamentava as alforrias e obrigava aos escravos serem cadastrados - "matriculados" - o que foi realizado em 1872.
As duas leis bastariam para que a escravidão encolhesse até desaparecer naturalmente, segundo se supunha, por volta de 1930. Considerando a alta taxa de mortalidade dos negros e o crescente número de cartas de alforria, o fim poderia vir antes disso.
E somente após a Guerra do Paraguai (1864-1870) é que nos estados (na época chamados de províncias) onde esses fazendeiros não detinham o poder absoluto, as teses abolicionistas gradualmente puderam ganhar força. Um caso relevante foi o da província do Ceará, que aboliu a escravidão em 25 de março de 1884, por obra do presidente da província, Sátiro de Oliveira Dias (na verdade, com pioneirismo de Acarape, depois Vila da Redenção, que o fez em 1o de janeiro de 1883); Em 24 de maio de 1884, o município de Manaus libertou seus escravos, seguido do próprio governo provincial do Amazonas, que o fez dois meses depois.
A grande reviravolta ocorreu em junho de 1887, quando Dom Pedro II viajou para a Europa com o objetivo de cuidar da saúde, debilitada pelo diabetes, e a princesa Isabel assumiu a Coroa pela terceira e última vez; Católica fervorosa e abolicionista convicta, ela decidiu que era o momento de romper o acordo pela abolição gradual e sepultar imediatamente a escravidão.
O plano só não vingou em 1887 porque o primeiro-ministro do Império era o Barão de Cotegipe, o mesmo senador que no ano seguinte faria discursos inflamados contra o projeto da Lei Áurea. O primeiro-ministro escravagista fez de tudo para frear os ímpetos da princesa.
Apoiados por Isabel, senadores e deputados apresentaram diversos projetos de lei abolicionistas em 1887. Uma proposta do senador Dantas previa o fim da escravidão para 31 de dezembro de 1889 e uma espécie de reforma agrária, com os ex-escravos sendo assentados em glebas às margens de rios e ferrovias.
Um projeto do senador Escragnolle Taunay (SC) marcava a abolição para o Natal de 1889, com a obrigação de os ex-escravos continuarem trabalhando para os ex-senhores por mais um ano, agora com salário. A proposta também determinava que o governo espalharia os libertos pelo Império, de modo a evitar a sua “acumulação” nas cidades.
O primeiro-ministro conseguiu engavetar todos os esboços da Lei Áurea. A princesa, então, percebeu que, se quisesse que a causa abolicionista prosperasse, teria que derrubar o chefe do gabinete ministerial. Em março de 1888, usando como desculpa um incidente na segurança do Rio, Isabel exigiu que Cotegipe demitisse o chefe de polícia da capital. Ofendido, ele se recusou a fazê-lo e renunciou.
Livre do incômodo primeiro-ministro, a princesa escolheu como substituto o senador João Alfredo, tambem conservador, mas afinado com as ideias abolicionistas. Isabel, que já tinha o apoio popular, ganhou o respaldo político que lhe faltava para acabar com a escravidão.
No dia 3 de maio de 1888, a princesa Isabel de Orleans e Bragança, exercendo a regência (pela terceira vez, aliás) pela ausência de seu pai, o imperador dom Pedro II, em viagem ao exterior — abre o ano parlamentar com um discurso (Fala do Trono) na qual pede o fim da escravatura - na ocasião, ela declarou:
"Confio que não hesitareis em apagar do direito pátrio a única exceção que nele figura em antagonismo ao espírito liberal e cristão das nossas instituições".
No dia 8 de maio, o ministro da Agricultura, Comércio e Obras, Rodrigo Augusto da Silva, do Partido Conservador, envia o projeto de abolição da escravatura ao Parlamento. O pernambucano Liberal Joaquim Nabuco requereu, e foi aprovada a tramitação urgencial, para que a proposta pudesse ser apreciada imediatamente. o Deputado Duarte de Azevedo deu parecer pela comissão especial, requerendo ainda a dispensa da impressão da matéria. houve uma emenda, aprovada, do Dep. Araújo Goes, acrescentando a vigência imediata da nova Lei. Veja o link com a cópia da ata da sessão do dia 9 de maio, quando ocorreu a votação na Câmara: https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/125-anos-da-lei-aurea/barao-de-lucena
Houveram resistências, por parte de uma pequena, mas ruidosa, bancada escravista: O Principal líder da bancada escravagista, o senador Barão de Cotegipe (BA) discursou:
— Tenho conhecimento da nossa lavoura, especialmente das províncias de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia, e afianço que a crise será medonha. A verdade é que haverá uma perturbação enorme no país durante muitos anos.
O senador Paulino de Souza (RJ), ele próprio um latifundiário do Vale do Paraíba (região entre as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro), bateu na mesma tecla:
— O elemento servil é o único trabalho organizado em quase todo o país, inclusive na extensa e rica zona das margens do Rio Paraíba, que tem sido nestes últimos 50 anos a oficina da riqueza nacional. Eu, ligado por muitos laços com os outros produtores da região, tenho o dever de colocar-me na resistência, em defesa de tamanhos e tão legítimos interesses, que entendem tanto com a fortuna particular como com a ordem econômica e financeira do Estado.
Em outra frente, Cotegipe classificou o projeto de inconstitucional:
— A Constituição, as leis civis, as eleitorais, as de impostos etc., tudo reconhece o escravo como propriedade. Mas, de um traço de pena, legisla-se que não existe mais tal propriedade, que tudo pode ser destruído por meio de uma lei, sem atenção a direitos adquiridos? Daqui a pouco se pedirá a divisão dos latifúndios, a expropriação, por preço mínimo ou de graça. Esperem. O primeiro passo é o que custa a dar, depois...(Fonte: Agência Senado)
A pressão e a pressa foram tantas que o Senado trabalhou inclusive no sábado e no domingo. A comissão de senadores encarregada de fazer a primeira análise do texto emitiu seu parecer favorável em cinco minutos.
Em todas as sessões, a população encheu as galerias e os arredores da Câmara e do Senado. O deputado Andrade Figueira (RJ), contrário à abolição, irritou-se com a “invasão de pessoas estranhas à Câmara” e disse que a “augusta majestade do recinto” havia virado um “circo de cavalinhos”. O deputado Joaquim Nabuco (PE), célebre abolicionista, acusou o colega de ter “coração de bronze".
No dia 10 de maio, o texto final é aprovado pela Câmara dos Deputados, com 83 votos a favor, e apenas 9 votos contrários (votação no dia anterior, votos contrários dos conservadores fluminenses), e no dia 11 de maio, o projeto chegou ao Senado, que formou uma comissão especial, e no dia seguinte, iniciou os debates e discussões; afinal, em 13 de maio, o projeto foi aprovado pelo Senado, desta vez, com cinco votos contrários; No mesmo dia, a Lei Imperial n. 3.353 (dita "Lei Áurea") foi sancionada pela Princesa Imperial. Tudo em regime de urgência e com forte oposição dos escravistas. Era um domingo.
Não custa lembrar que o senador escravocrata Barão de Cotegipe, mesmo derrotado, ainda tentou uma última cartada, e, em 19 de junho, apresentou no Senado, o projeto “C”, autorizando o governo a “emitir apólices da dívida pública para indenização dos ex-proprietários de escravos” – uma das últimas, mas não a única, tentativa de beneficiar os escravocratas, em tentativa de minimizar a perda dos proprietários, sem êxito.
A história da evolução legislativa e política, sob o ponto de vista das ações das elites, aqui narrada neste artigo, que revela detalhes curiosos, não obsta afirmar que o movimento abolicionista, de grande apoio popular, paulatinamente, através dos anos, até ganhar o coração de boa parte da elite, colaborou muito para impulsionar os atos aqui relatados, mas contou com a obstinada luta de escravos por sua liberdade, de libertos e ex escravos, que jamais se conformaram com o instituto do escravismo no Brasil.
Por fim, o fim tardio da escravidão no Brasil deixou severas marcas no caráter nacional, em uma desigualdade econômica e social legada aos descendentes dos escravos, pobreza, miséria, baixa escolaridade, que vem sendo mitigada duramente em mais de cem anos após, alem de preconceito, mais claro ou velado, e falta de acesso da população negra em posições mais altas da sociedade. É um trabalho em construção, e todos devemos nos aplicar em superar o legado da escravidão - abolida tardiamente em nosso país, como vimos.
A história da evolução legislativa e política, sob o ponto de vista das ações das elites, aqui narrada neste artigo, que revela detalhes curiosos, não obsta afirmar que o movimento abolicionista, de grande apoio popular, paulatinamente, através dos anos, até ganhar o coração de boa parte da elite, colaborou muito para impulsionar os atos aqui relatados, mas contou com a obstinada luta de escravos por sua liberdade, de libertos e ex escravos, que jamais se conformaram com o instituto do escravismo no Brasil.
Por fim, o fim tardio da escravidão no Brasil deixou severas marcas no caráter nacional, em uma desigualdade econômica e social legada aos descendentes dos escravos, pobreza, miséria, baixa escolaridade, que vem sendo mitigada duramente em mais de cem anos após, alem de preconceito, mais claro ou velado, e falta de acesso da população negra em posições mais altas da sociedade. É um trabalho em construção, e todos devemos nos aplicar em superar o legado da escravidão - abolida tardiamente em nosso país, como vimos.

foto histórica da votação da Lei Áurea no Senado, em 13 de maio de 1888 no Senado, com os senadores observados por grande multidão (foto de Antonio Luiz Ferreira)
O senador João Maurício Wanderley, que era o Barão de Cotegipe, porta-voz da bancada escravista no Senado, declarou que a abolição mergulharia o país em uma crise econômica, com consequências políticas. E após a sanção da lei pela princesa Isabel, afirmou que isso causaria o fim do Império. “Precisamos dos escravos. A senhora acabou de redimir uma raça e perder o trono!”.
Por sua vez, Joaquim Nabuco, deputado, diplomata e antiescravagista, relatou em seu livro O Abolicionismo que os fazendeiros escravistas prejudicados com a abolição se tornaram inimigos do Império, passando a defender a República. “A ideia, adrede [intencionalmente] espalhada entre os fazendeiros, de que o imperador era o chefe do movimento contra a escravidão de repente engrossou as fileiras republicanas com uma leva de voluntários saídos de onde menos se imaginava [dos fazendeiros]”.
última foto: a Princesa Isabel, na sacada do Paço Imperial, saúda a multidão, após sancionar a Lei Áurea, em 13 de maio de 1888 (foto de Marc Ferrez)

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