Um dos primeiros sinais da onda nacionalista, ou populista de direita, que começou a atingir a Europa, Estados Unidos e mesmo no Brasil, foi o referendo do Brexit em 2016. Com a promessa de "retomar o controle", líderes populistas e demagogos venderam um quadro de prosperidade ao eleitorado britânico, que não entendia o custo do parlamento europeu, das instituições continentais, e reclamavam de volta um orgulho nacionalista britânico perdido, e mexeu com interesses de agricultores e outros, que reclamavam da extensa regulação.
Outros, como líderes do UKIP (Partido da Independência do Reino Unido), e depois do chamado "Brexit Party", o demagogo Nigel Farage fizeram campanha pelo Brexit, apelando entre outras coisas, contra a imigração muçulmana, ou de pessoas do leste europeu.
Aprovado a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016, por 52% dos votos, a dor de cabeça que se seguiu mostrou muitos problemas. A livre circulação de pessoas e bens em fronteiras como a francesa ou entre a Irlanda e o Ulster (Irlanda do Norte) ficaram comprometidas. Voltou a crescer a possibilidade inclusive da independência da Escócia.
O Reino Unido deixou oficialmente a UE em 31 de janeiro de 2020, mas continuou aplicando suas normas durante um período de transição que terminou em 31 de dezembro.
Agora, finalmente, a UE e o Reino Unido chegaram a um acordo. Para entender melhor, posto o texto do jornalista Diogo Schelp, do UOL, intitulado "Acordo do Brexit não dá a liberdade que britânicos esperavam", que se segue aqui reproduzido:
"(..) O governo do premiê Boris Johnson e a Comissão Europeia anunciaram nesta quinta-feira (24) o acordo de livre comércio que dará um ponto final no longo processo de divórcio entre o Reino Unido e a União Europeia (UE), iniciado em junho de 2016, quando os britânicos votaram em referendo pela saída do país do bloco. Mas as expectativas que 52% dos cidadãos que optaram pelo Brexit tinham quatro anos atrás não estarão plenamente contempladas a partir de 1º de janeiro, quando o acordo hoje anunciado entrará em vigor (ainda que provisoriamente, enquanto o Parlamento Europeu não o aprova). Foram muitas as razões que levaram a maioria dos eleitores britânicos a optar pelo Brexit em 2016.
Uma delas foi a percepção de que fazer parte da União Europeia reduzia a soberania britânica, especialmente no que se referia a regulamentações no campo econômico ou a leis europeias que se sobrepunham às leis nacionais e que criavam burocracias e proibições excessivas. Johnson costumava citar como exemplo a norma que impedia crianças com menos de oito anos a encher balões. Tratava-se, porém, de fake news. Na realidade, a norma apenas diz que determinados tipos de balões precisam conter um alerta na embalagem para que não sejam manuseados por crianças sem supervisão de um adulto.
Uma delas foi a percepção de que fazer parte da União Europeia reduzia a soberania britânica, especialmente no que se referia a regulamentações no campo econômico ou a leis europeias que se sobrepunham às leis nacionais e que criavam burocracias e proibições excessivas. Johnson costumava citar como exemplo a norma que impedia crianças com menos de oito anos a encher balões. Tratava-se, porém, de fake news. Na realidade, a norma apenas diz que determinados tipos de balões precisam conter um alerta na embalagem para que não sejam manuseados por crianças sem supervisão de um adulto.
Não deixa de ser verdade que a UE tem uma capacidade incrível de criar regulamentações detalhadas sobre os temas mais diversos. Mas os britânicos não ficarão totalmente livres delas a partir de 2021. Para poder continuar desfrutando de tarifas de comércio zeradas e dessa forma manter o acesso privilegiado ao mercado dos países da União Europeia, conforme prevê o acordo divulgado hoje, os exportadores britânicos terão que seguir obedecendo normas e regulamentações criadas pelo bloco.
Além disso, um novo pacote de regras, antes não existentes, entrará em vigor. Por exemplo, para poder exportar determinados produtos para o mercado europeu, como automóveis, as empresas do Reino Unido terão que provar que pelo menos 60% das peças são de fabricação britânica ou de países da UE.
A autonomia regulatória, portanto, um dos principais motivos de insatisfação dos eleitores britânicos com a UE, não passava de miragem. A diferença é que agora não terão representantes no Parlamento Europeu para defender seus interesses.
Outra razão para o Brexit era o descontentamento com a política de imigração. Cidadãos de outros países da UE podem morar e trabalhar no Reino Unido e desfrutar dos serviços públicos livremente. O país de fato absorveu centenas de milhares de trabalhadores estrangeiros nos anos anteriores ao referendo. Os britânicos torcem o nariz especialmente para aqueles vindos do Leste Europeu e para os muçulmanos. Mas a contrapartida é que os britânicos também têm livre trânsito e liberdade para se estabelecer e trabalhar nos países da UE.
Isso acaba agora, com o acordo definitivo do Brexit. Ao mesmo tempo, ainda que um divórcio com acordo seja muito melhor do que um sem acordo — uma opção que Boris Johnson ameaçava adotar quando foi eleito primeiro-ministro, em julho de 2019 —, estima-se que a recuperação econômica da crise causada pela pandemia será mais lenta a partir da concretização do Brexit, o que significará também uma oferta menor de bons empregos dentro do Reino Unido.
A estimativa de um Brexit sem acordo era de uma redução de 2% no PIB britânico já em 2021. O efeito da saída com acordo vai ser mais suave, mas ainda assim terá um impacto negativo de 4% no PIB do país no longo prazo.
O referendo do Brexit foi o primeiro grande ato da onda nacionalista que se alastrou pelo mundo, levando à eleição de Donald Trump nos Estados Unidos e de Jair Bolsonaro no Brasil (aqui, por óbvio, turbinada por particularidades da política local, como a aversão tremenda ao PT).
O desfecho desse ato, quatro anos depois, é uma demonstração de que as insatisfações com as instituições multilaterais e a integração global entre países não são facilmente resolvidas simplesmente tentando voltar atrás no tempo, buscando retornar a um estágio da economia mundial e e da relação entre as nações que não existe mais.
O acordo do Brexit fechado no apagar das luzes de 2020 é um refresco, mas com sabor amargo."
(texto publicado no site da UOL em https://noticias.uol.com.br/colunas/diogo-schelp/2020/12/24/acordo-do-brexit-nao-da-a-liberdade-que-britanicos-esperavam.htm?cmpid=copiaecola
Comentários
Postar um comentário