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INELEGIBILIDADE SOMENTE COM O ENRIQUECIMENTO ILICITO - O TSE EM 2020

O art. 1º, inciso I, alínea l, da Lei Complementar nº 64/1990, dispõe que são inelegíveis para qualquer cargo:

[...] os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena. 

Desse modo, condenação nesse sentido é causa de inelegibilidade, competindo à Justiça Eleitoral verificar, no momento processual adequado (na impugnação ao registro de candidatura, por exemplo), se a decisão condenatória na ação de improbidade administrativa: a) transitou em julgado ou foi proferida por órgão judicial colegiado; b) decorreu de ato doloso; c) condenou o responsável pela conduta de lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito (arts. 9, 10 da Lei 8.429/92).

A aplicação do terceiro requisito causou polêmica na doutrina e jurisprudência, que foi resolvida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fixando o entendimento de que, para a incidência dessa causa de inelegibilidade, é necessário que a condenação pela prática de ato doloso de improbidade administrativa implique, cumulativamente, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, como estabeleceu o precedente do Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 7.154. Relator Min. Henrique Neves da Silva. DJE, Tomo 68, de 12.4.2013, páginas 59-60.

Entretanto, no momento do reconhecimento da aludida causa de inelegibilidade, surge outra questão polêmica: a Justiça Eleitoral pode ampliar a condenação com base apenas na fundamentação, analisar novamente os fatos e as provas quando não há a cumulatividade descrita no dispositivo da sentença ou do acórdão oriundo da Justiça Comum (federal ou estadual)?

O TSE, no julgamento do Recurso Ordinário nº 380-23, sendo Relator o Min. João Otávio de Noronha, publicado em sessão do dia 12.9.2014, entendeu da seguinte forma:

"(..) Deve-se indeferir o registro de candidatura se, a partir da análise das condenações, for possível constatar que a Justiça Comum reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e de enriquecimento ilícito decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, ainda que não conste expressamente na parte dispositiva da decisão condenatória."

Já por ocasião do julgamento do Recurso Especial Eleitoral nº 154.144, de lavra da Relatora Min. Luciana Lóssio. DJE, Tomo 168, data 3.9.2013, p. 80, entendeu-se que:

"(..) Não cabe à Justiça Eleitoral proceder a novo enquadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade para concluir pela presença de dano ao erário e enriquecimento ilícito, sendo necessária a observância dos termos em que realizada a tipificação legal pelo órgão competente para o julgamento da referida ação."


Portanto, não há como revisar o julgamento já efetuado na Justiça Comum, e o exame descrito nas decisões do TSE referem-se ao revisar apurado do conteúdo do dispositivo das decisões judiciais de condenação, nas quais se infira cumulativamente, a presença dos quesitos infirmados pela lei complementar que assenta as inelegibilidades, para poder pronunciá-la. Operam-se os princípios da legalidade e da tipicidade, nesta questão, de forma clara.

A Lei nº 8.429/1992 regulamentou o § 4º do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Prevê essa lei três ordens de atos de improbidade: a) os que importam em enriquecimento ilícito do agente (art. 9º); b) os que causam lesão ao patrimônio público/dano ao erário (art. 10º); e c) os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). A cada uma das espécies foram atribuídas penalidades/sanções próprias, conforme seu art. 12.

A aplicação deste entendimento de forma mais assertiva pelo TSE possibilitou aqui no Estado do Rio de Janeiro, que alguns ex prefeitos conseguissem o registro de sua candidatura, após terem sido chancelados pelo voto popular, no pleito de 2020.  No julgamento de diversos Recursos neste ano, o TSE afastou a tese do Ministério Público, para o qual bastava a incidência de uma das hipóteses citadas na norma para configurar a inelegibilidade.

Mas como de fato, o TSE considera o exame no caso concreto? a questão foi resolvida por ocasião do julgamento do Acórdão de 2017, que assim dispôs:

"(..) O art. 1º, I, l, da Lei Complementar nº 64/90, pressupõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (i) a condenação por improbidade administrativa, transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, (ii) a suspensão dos direitos políticos, (iii) o ato doloso de improbidade administrativa e (iv) a lesão ao patrimônio público e (v) o enriquecimento ilícito. 11. A cognição realizada pelo juiz eleitoral depende do elemento do tipo eleitoral analisado, ampliando-a ou reduzindo-a, de ordem a franquear a prerrogativa de formular juízos de valor acerca da ocorrência in concrecto de cada um deles. 12. A análise da configuração in concrecto da prática de enriquecimento ilícito pode ser realizada pela Justiça Eleitoral, a partir do exame da fundamentação do decisum condenatório, ainda que tal reconhecimento não tenha constado expressamente do dispositivo daquele pronunciamento judicial (AgR-AI nº 1897-69/CE, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 21.10.2015; RO nº 380-23/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, PSESS de 12.9.2014). 13. A constatação da ocorrência (ou não) do dano ao erário ou do enriquecimento ilícito se situa entre os requisitos que habilitam o magistrado eleitoral a exarar juízo de valor concreto, de forma a ampliar a sua cognição, notadamente nas hipóteses em que o acórdão de rejeição de contas for omisso acerca da ocorrência desses elementos ou sempre que o fizer de forma açodada, sem perquirir as particularidades das circunstâncias de fato. 14. O ultraje ao art. 275 do Código Eleitoral somente se evidencia nas hipóteses de vício de fundamentação aptas a ensejar a nulidade do julgado, o que não sói ocorrer no presente caso. 15. In casu a) O recorrente foi condenado por decisão colegiada da Justiça Comum à suspensão dos direitos políticos por ato doloso de improbidade administrativa. b) As condutas consignadas no decisum condenatório da Justiça Comum viabilizam a conclusão da prática dolosa de atos que importam dano ao erário e enriquecimento ilícito, na medida em que se reconheceu (i) a ocorrência de superfaturamento de obras públicas, (ii) o pagamento por serviços não prestados e (iii) o pagamento de remuneração acima do patamar legal a vice-prefeito. c) Referidas condutas, todas consignadas no decisum condenatório da Justiça Comum, viabilizam a conclusão da prática dolosa de atos que importam dano ao erário e enriquecimento ilícito, na medida em que reconhecidos o superfaturamento de obras, o pagamento por serviços não prestados e o pagamento de remuneração acima do patamar legal a vice-prefeito [...] ”. (Ac de 11.5.2017 no REspe nº 14057, rel. Min. Luiz Fux; no mesmo sentido o Ac de 22.9.2015  no AgR-AI nº 189769, Rel. Min. Luciana Lóssio, DJe de 21.10.2015Ac de 12.9.2014 no RO nº 38023, Rel. Min. João Otávio de Noronha.)

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