Pular para o conteúdo principal

A DISCUSSÃO DO "DISTRITÃO" NO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO

Um dos temas recorrentes nos debates mais recentes do Parlamento brasileiro, quando da discussão de alguma das últimas reformas eleitorais, que inexoravelmente ocorrem de dois em dois anos, é a proposta que pretende implantar, na eleição do Legislativo, como no Congresso Nacional, mais especificamente para a Câmara Baixa, a Câmara dos Deputados, é a adoção do chamado "Distritão". Mas o que seria o tal "distritão"? Simplesmente seria a adoção do sistema majoritário nas eleições para deputado. Mas a proposta tambem poderia ser adotada nas eleições para as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais.

Atualmente, o Brasil continua se utilizando do sistema proporcional de representação parlamentar, com as cadeiras sendo divididas de acordo com a votação do somatório dos candidatos de uma lista partidária, sendo admitidos votos para a legenda, simplesmente, sem indicação da preferência nominal. Os eleitos são os mais votados, apurados por lista partidária. Desde o Código Eleitoral de 1932, o país aplica esse regramento. No Código de 1965, depois alterado pela Lei n. 9504/97, os votos em branco deixaram de ser contabilizados como válidos, o que geralmente beneficiava o Partido mais votado, que era o governista (ARENA, entre os pleitos 1966 e 1978, e após o PDS, e o PMDB, a partir de 1986).

No sistema atual, nem sempre os mais votados, por indicação nominal preferencial, são os eleitos. Para amenizar as distorções, as reformas mais recentes passaram a exigir a chamada "nota de corte", para que pelo menos os eleitos tenham 10% do quociente eleitoral, evitando que candidatos com pouquíssimos votos chegassem ao parlamento (como ocorreu com os deputados eleitos pelo PRONA, que pegaram "carona", com o Dr. Enéas, quando candidato a deputado federal pelo Estado de S. Paulo).

O Distritão, ou Voto Único Intransferível, trasladado do inglês Single Non-Transferable Vote (SNTV), é um sistema de votação eleitoral em que os candidatos mais votados são os eleitos, Ele é chamado de "Distritão", pois cada estado/município passa a ser um distrito, e se elegem os deputados/vereadores mais votados até completar-se a bancada da unidade da Federação nos legislativos.

Segundo o International Institute of Democracy (IDEA), este sistema de voto existe em apenas 4 países, a saber:  Ilhas Pictairn, Vanuatu, na Jordânia, e no Afeganistão. Até recentemente, o Senado da Colômbia tambem era integrado de forma majoritária, como no "distritão". Neste sistema, não há a vantagem ou a ocorrência de que os chamados "puxadores de votos" elejam representantes de menor prestígio.

 

 Foto: campanha eleitoral na Jordânia, onde é adotado o sistema do chamado "distritão", escolhendo-se os mais votados para o parlamento, por distritos. Os eleitos são quase sempre, candidatos tribais.

No Brasil, o tema já foi debatido e deliberado anteriormente no parlamento. Recentemente, a proposição (PEC 77/03) foi aprovada na comissão especial, e rejeitada depois em plenário, em 2017, com 238 votos contrários, 205 favoráveis e 1 abstenção, mas o tema tinha ganhado grande destaque em 2015, após o PMDB defender este modelo por oportunidade da discussão da reforma eleitoral naquele ano, que visava alterar a legislação do pleito de 2016. A proposta então foi rejeitada por 267 votos a 210 e 5 abstenções; e não foi a primeira tentativa: em 2015, na votação do Projeto de Lei 1210/07, a Câmara rejeitou um modelo semelhante, mas que apresentava um hibridismo, com metade das vagas compostas no modelo proporcional, e a outra metade, no majoritário, com os mais votados nominalmente. Na ocasião, a proposição foi apoiada por 203 parlamentares e rejeitada por 240 deputados.

Agora, em 2021, uma nova PEC foi reapresentada, no relatório da Reforma Política, pela deputada Renata Abreu (Podemos - SP), tentando aprovar a ressuscitada proposição para o pleito de 2022, com uma transição se utilizando do voto distrital misto.

Para os defensores da proposta, como o ex presidente Michel Temer, "esse sistema segue o princípio constitucional de eleger os candidatos mais votados. Só se candidatará quem souber que tem chance de se eleger. Isso vai diminuir sensivelmente o número de candidaturas de cada partido e tornará a fala dos candidatos mais programática."

Já críticos, como o cientista político Jairo Nicolau, falam em um "desperdício de votos", que causam uma subrepresentação no parlamento: "Quando se fala que (..) é um bom sistema, pois garante a eleição dos mais votados, cabe perguntar para onde vai o voto de milhões de eleitores que votaram em nomes que não se elegeram. Seriam simplesmente jogados fora", complementa, lembrando que nos anos 1990, o Japão abandonou o distritão sob alegação de que favorecia a lógica da disputa individual e estimulava casos de corrupção e caixa dois; Segundo Jairo Nicolau, professor da UFRJ, “diversos estudiosos apontaram o distritão japonês como um dos principais responsáveis pelo clientelismo, pela corrupção eleitoral e pela fragilidade dos partidos."

O Poder financeiro e econômico, na concentração em poucas candidaturas, e na viabilidade de poucos, sai certamente tambem fortalecido. A campanha nestes moldes favorece candidatos mais ricos, e de financiadores mais abonados, ligados quase sempre a interesses econômicos, que canalizam seus recursos em seus representantes mais confiáveis.

Com certeza, isso iria ferir de morte os partidos políticos, muito embora suas cúpulas iriam conservar seus principais candidatos, mantendo o financiamento direcionado a eles, mesmo com a previsão de cotas, como a feminina, e forçaria aos partidos a busca por personalidades de mídia, como jogadores de futebol, apresentadores de TV, "digital influencers", ou a superrepresentação de igrejas pentecostais, em detrimento dos políticos que se fazem nas bases eleitorais, e na liderança sadia forjada nos movimentos sociais, estudantis, ou da sociedade civil. 

Afinal, mesmo que concordemos que não há sistema perfeito, ou ideal, que resolva definitivamente o problema da representação com maior qualidade, a renovação política dos parlamentos iria se tornar mais difícil, sendo esse instituto do "distritão", um sistema que tende a ser claramente imobilista, conservador, pois inviabiliza a ascensão de novos políticos, é hiperpersonalista e refratário à ação e representação das minorias. (publicado originalmente em 11 de março de 2021, revisto em 13/07/21)




Comentários

Postagens Mais Visadas do Blog

AS CANDIDATURAS INDEPENDENTES: UMA DISCUSSÂO NECESSÁRIA

Nas discussões da reforma política, em 2015, reapareceu uma discussão necessária, acerca da possibilidade do lançamento e registro de candidatura avulsas, ou sem vínculo partidário. No Brasil, como veremos, é norma constitucional o vínculo, diferentemente da maior parte dos países em todo o mundo. Nosso país adota o vínculo obrigatório aos partidos desde a Lei Agamenon Magalhães, e tanto o Código Eleitoral e os textos constitucionais vem mantendo tal obrigação, agora presente no texto de 1988 como uma das condições de elegibilidade. O constitucionalista Jose Afonso da Silva destaca o fato dos partidos serem os canais por onde se realiza a representação política do nosso povo, não se admitindo candidaturas avulsas; já Celso Ribeiro Bastos fala da dependência visceral da democracia dos partidos políticos, muito embora, quase que prevendo a atual discussão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho advertia que os partidos deixam de cumprir sua função quando são dominados por oligarquias, quan

NOVAS REGRAS PARA AS ELEIÇÕES 2020

Praticamente, não há alterações na legislação eleitoral em 2020, a não ser algumas poucas, na propaganda e financiamento. Mas é curioso ver cursos e profissionais "vendendo" a ideia de como se as mudanças de 2015 e 2017 fossem novas. A grande inovação na verdade, é a aplicação e vigência da proibição das coligações proporcionais, o que já era conhecido desde 2017, com o advento da Emenda Constitucional n. 97; Mudam a estratégia, a tática eleitoral e diminuirá certamente o número de partidos e candidatos em 2020. Destaco que o número de candidatos não se modificou. Continua em 150% do número de vagas a preencher. Sendo que, no caso de fração igual a 0,5, arredonda-se para cima. E a interpretação para as vagas de gênero (em geral, de mulheres) de 30% é no sentido de que, em caso de fração, igual a 0,1 ou abaixo mesmo de 0,5%, o número se arredonda para cima. No caso de 17 candidatos, o número da cota será de 6 (arredondado de 5,4).  A regra de 200% para "coligação p

STF caminha para alterar regra do cálculo das sobras

O STF iniciou julgamento em plenário virtual, sobre três casos que questionam os critérios para distribuição das sobras das cadeiras no Congresso, na verdade, a chamada terceira fase de distribuição das vagas das sobras eleitorais; Os partidos que acionaram a Corte Maior pretendem que sejam incluídas todas as legendas que participaram das eleições, independentemente do quociente eleitoral alcançado. As ações ficaram sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, que apresentou voto, considerando que a norma atual restringe a pluralidade dos partidos políticos, limitando a eleição de seus representantes, notadamente no sistema proporcional, violando os fundamentos de nosso Estado Democrático de Direito. P ara o relator, todas as legendas e seus candidatos devem participar da distribuição das cadeiras remanescentes (sobra da sobra), independentemente de terem alcançado a exigência do percentual do quociente eleitoral, que se constituiria em uma cláusula de barreira, na prática; Para Le