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CPI: UM DIREITO DAS MINORIAS PARLAMENTARES E A JURISPRUDÊNCIA

A decisão monocrática do Ministro Luiz Roberto Barroso, do STF, aliás, um grande constitucionalista, instando o Presidente do Senado, Senador Rodrigo Pacheco (Dem-MG) a instalar a CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Pandemia, requerida por 31 dos 81 senadores, na verdade não foi em nada inovadora, mas segue longa tradição de prestigiar o comando constitucional, como garantir judicialmente, como norma democrática, um direito das minorias parlamentares, desde que mobilizem 1/3 do parlamento, na forma do Art. 58 da CF.

Não cabe ao Judiciário ingressar no mérito da investigação requerida, nem suas causas, justezas, ou conveniência, ou ainda sua oportunidade, mas cabe ao Judiciário tutelar e garantir a convocação e funcionamento das CPIs parlamentares, caso a Mesa Diretora do Parlamento impeça seu livre funcionamento. É uma das normas mais democráticas de nossa Constituição, pois garante às Minorias o direito de investigar.

De fato, o STF já havia examinado, em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a matéria, ao assentar que:

"Comissão Parlamentar de Inquérito -- direito de oposição -- prerrogativa das minorias parlamentares -- expressão do postulado democrático -- direito impregnado de estatura constitucional -- instauração de inquérito parlamentar e composição da respectiva CPI -- tema que extravasa os limites interna corporis das casas legislativas -- viabilidade do controle jurisdicional -- impossibilidade de a maioria parlamentar frustrar, no âmbito do Congresso Nacional, o exercício, pelas minorias legislativas, do direito constitucional à investigação parlamentar (CF, art. 58, § 3º) -- mandado de segurança concedido. Criação de Comissão Parlamentar de Inquérito: requisitos constitucionais. O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal. O direito de investigar - que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) -- tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar. A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (...). Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subseqüentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 -- RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. O estatuto constitucional das minorias parlamentares: a participação ativa, no Congresso Nacional, dos grupos minoritários, a quem assiste o direito de fiscalizar o exercício do poder. A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. (...) Legitimidade passiva ad causam do Presidente do Senado Federal -- autoridade dotada de poderes para viabilizar a composição das comissões parlamentares de inquérito." (MS 24.831, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-2005, Plenário, DJ 4-8-2006). No mesmo sentido: SS 3.405, rel. min. Ellen Gracie, decisão monocrática, julgamento em 7-12-2007, DJ de 14-12-2007;  MS 24.845MS 24.846MS 24.848 e MS 24.849, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-2005, Plenário, DJ 29-9-2006; MS 24.847, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-2005, Plenário, DJ 13-10-2006.


e ainda:


"(..) A Constituição do Brasil assegura a 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados e a 1/3 dos membros do Senado Federal a criação da CPI, deixando, porém, ao próprio parlamento o seu destino. A garantia assegurada a 1/3 dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembleias legislativas estaduais – garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das CPIs constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da assembleia legislativa. (...) Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da assembleia legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das CPIs estão dispostos, estritamente, no art. 58 da Constituição do Brasil/1988.
[ADI 3.619, rel. min. Eros Grau, j. 1º-8-2006, P, DJ de 20-4-2007.]

Pelo Regimento da Câmara dos Deputados ou mesmo do Senado, cabe aos seus presidentes a decisão de instalação, uma vez verificados seus requisitos, ou seja, o pedido de apuração de fato determinado, e a subscrição por 1/3 dos membros da Casa Legislativa, seja a Câmara, Senado, ou mesmo alguma Assembleia Legislativa, ou por fim municipal, este último em razão do disposto no artigo 29, caput, XI, CF/88, observado o que dispõe o Art. 58, §3o da mesma Lei Maior; Afora tal juízo prévio, descabe simplesmente adiar, impedir, omitir-se ou recusar-se a implementar a instalação, pois viola norma democrática constitucional. Simples assim.

O STF, em outra oportunidade, em voto lapidar do Min. Celso de Mello assegurou que a participação parlamentar minoritária tem seus direitos assegurados pela Carta Cidadã, como garantidor da Democracia Representativa, senão vejamos:

"(..) A norma inscrita no art. 58, § 3º, da Constituição da República destina-se a ensejar a participação ativa das minorias parlamentares no processo de investigação legislativa, sem que, para tanto, mostre-se necessária a concordância das agremiações que compõem a maioria parlamentar. O direito de oposição, especialmente aquele reconhecido às minorias legislativas, para que não se transforme numa prerrogativa constitucional inconsequente, há de ser aparelhado com instrumentos de atuação que viabilizem a sua prática efetiva e concreta no âmbito de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (...) A ofensa ao direito das minorias parlamentares constitui, em essência, um desrespeito ao direito do próprio povo, que também é representado pelos grupos minoritários que atuam nas Casas do Congresso Nacional. (...) A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional, que não dispõe de qualquer parcela de poder para deslocar, para o Plenário das Casas Legislativas, a decisão final sobre a efetiva criação de determinada CPI, sob pena de frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalizar e de investigar o comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo." 
[MS 26.441, rel. min. Celso de Mello, j. 25-4-2007, P, DJE de 18-12-2009.]
Vide MS 24.831, rel. min. Celso de Mello, j. 22-6-2005, P, DJ de 4-8-20

De outra feita, o STF já rejeitou norma da ALESP que estabelecia competência ao Plenário de aprovar a constituição e instalação de CPI. Na decisão, ressalta-se:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 34, § 1º, e 170, inciso I, do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. Comissão Parlamentar de Inquérito. Criação. Deliberação do Plenário da assembléia legislativa. Requisito que não encontra respaldo no texto da Constituição do Brasil. Simetria. Observância compulsória pelos estados-membros. Violação do artigo 58, § 3º, da Constituição do Brasil. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando, porém ao próprio parlamento o seu destino. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembléias legislativas estaduais -- garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembléia Legislativa. Precedentes. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembléia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho 'só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e', constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo." (ADI 3.619, rel. min. Eros Grau, julgamento em 1º-8-2006, Plenário, DJ de 20-4-2007.)


Na antiga Constituição de 1967, norma similar era encontrada, e comentos semelhantes ao que entendeu por mais de uma vez o STF foram produzidos por juristas distintos, como Plínio Salgado e Pontes de Miranda, para os quais, ao se requerer, dentro dos requisitos, haveria "o dever de criar" a comissão parlamentar de inquérito.  O fato é que a Constituição não tratou de nenhuma deliberação legislativa após o requerimento dos membros para a instauração da CPI e as condições para a sua criação são claramente enumeradas no artigo 58, §3º. O Supremo Tribunal Federal já havia firmado entendimento de que a sujeição do requerimento à aprovação da maioria parlamentar causa embaraço ao exercício da atividade de fiscalização, além de violar o direito das minorias.





Por mais que seja considerada inconveniente, ou despropositada, a instalação da CPI no Senado em nada inovou a longa tradição doutrinária e jurisprudencial a respeito desta matéria. O STF já se pronunciou algumas vezes. Nada a ser reparado. O texto constitucional insculpido no Art. 58 é de uma clareza solar, expressão figurativa muito utilizada por Julgadores brasileiros.

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