A Federação de Partidos Políticos é um instituto de Direito Partidário, ou mesmo para alguns, de Direito Eleitoral, e que pode ser positivado no ordenamento jurídico brasileiro. Na primeira PEC apresentada introduzindo a norma, a medida “é salutar para o sistema partidário, uma vez que constituem um caminho viável para os partidos com afinidade ideológica unirem forças, mantendo, enquanto integrantes da Federação, suas respectivas identidades partidárias”.
As Federações, portanto, seriam a união de partidos em torno de um projeto único – mas cada um dos partidos envolvidos em determinada Federação continuaria a existir. Ou seja: a Federação nada mais é do que um “jeitinho” dos partidos pequenos continuarem recebendo recursos como o fundo partidário e tempo de televisão, após a criação da cláusula de desempenho. Como veremos, o fim das coligações nas eleições proporcionais e a adoção de uma cláusula de desempenho foram boas medidas para o sistema democrático brasileiro. Elas se apresentam com um grande potencial para diminuir o número de partidos no Congresso, reduzir as distorções na representação partidária e tornar menos custosas a formação de coalizões de governo em todos os níveis da federação.
A aprovação destas mudanças representaria a capacidade do sistema político brasileiro de perceber seus problemas e de propor soluções que os enfrentem. Mas onde podemos nos basear para avaliar o sucesso do novo instituto? O mais famoso exemplo, sem dúvida, é o da FRENTE AMPLA, no Uruguai. Foi fundada em 1971, para disputar as eleições daquele mesmo ano, e é integrada por uma dezena de organizações políticas e partidos políticos dos mais tradicionais, como o Partido Comunista Uruguaio (PCU), o Partido Socialista Uruguaio (PSU), e o Partido Democrata Cristão (PDC), o social democrata Nuevo Espacio, o Movimento de Participação Popular (MPP, do ex presidente Jose Mujica), o anticapitalista Partido da Vitória do Povo (PVP), alem dos trotskistas Partido Obrero Revolucionario (POR, de linha posadista), e o Partido Socialista dos Trabalhadores (PST, o PSTU de lá), entre outros. Os candidatos da Frente Ampla, e seus dirigentes são sempre eleitos por eleições primárias abertas aos filiados, que dão a cada corrente um peso nas decisões internas.
Frente Ampla Uruguaia: a multifacetada frente, onde os diversos e diferenciados partidos sobrevivem abrigados sob uma só legenda, enfrentando os tradicionais Blancos e Colorados.
Outro interessante exemplo de algo próximo de uma Federação de Partidos bastante duradoura é o do Co-operative Party, um partido social democrata, formado em 1917, e que opera em conjunto com o Partido Trabalhista britânico (Labour Party), desde 1927. O mais recente acordo de cooperação entre os dois partidos data de 2003 e regula seu funcionamento e o processo conjunto de escolha dos candidatos, geralmente no sistema de prévias onde filiados dos dois partidos participam conjuntamente. Há no momento (2021) 26 parlamentares inscritos no Co-Operative Party, na bancada do Labour, de 198 deputados, e 4 dos 11 parlamentares do Labour na Assembleia de Londres, por ex.
Sem deter tal conceituação, podemos apontar como exemplo de Federação de Partidos o Syriza grego - uma frente de partidos de esquerda que funcionou durante alguns anos (2012-15) como uma federação com 15 grupos, partidos, tendências desde liberais de esquerda, até comunistas, marxistas leninistas, socialistas independentes e trotskistas. Syriza significa "Coalizão de Esquerda Radical", e já tinha havido uma tentativa de tornar-se um partido uno em 2013, sendo adiada a decisão; finalmente, em 2015, a federação deu lugar a um partido, com pelo menos tres grandes tendências internas, sendo que um partido (Organização Comunista Independente) deixou a coalizão, após a decisão do Syriza tornar-se um partido, na verdade, o 2o maior do parlamento grego na ocasião. Processo semelhante aliás, ocorreu com a Frente Farabundo Marti de Libertação Nacional (FMLN) em El Salvador, que tambem decidiu dissolver suas organizações filiadas internamente e se transformar em partido, em 1995 (em 1992 a antiga organização guerrilheira foi registrada como frente eleitoral, após os acordos de paz).
A diferença de uma federação de partidos e um partidos com correntes internas, é que na primeira, há instituições com programas, ações, metas, organização e direções próprias, ao passo que a segunda é apenas uma fração de um mesmo partido, mesmo que haja alguma diversidade e distanciamento ideológico entre estas facções. Os partidos italianos de um modo geral, permitem a disputa de facções, como o PT brasileiro, como o direitista Fratelli Di Italia (FDI), o Forza Italia, e principalmente, o Partido Democrático Italiano, sucessor do PC Italiano, e depois do Partido da Esquerda (PDS), manteve sua democracia interna, mas suas facções internas, que se dividem entre ex comunistas, socialistas, social democratas, centristas e liberais, não são partidos federados, mas facções organizadas, que periodicamente disputam o poder em eleições internas.
Em países onde há ampla liberdade de organização partidária, e mesmo de formação de chapas eleitorais, não há necessidade de Federações, que foram idealizadas, para agrupar em um guarda-chuva, somente partidos organizados e registrados. No Brasil, esse registro é rigoroso, e mesmo dificultado pela legislação eleitoral, após anos de facilidade, após a redemocratização, que permitia o lançamento de candidaturas com registro provisório, de um ano, renovável por mais um, e não previa exigências de performance eleitoral para obter acesso à mídia, ou recursos eleitorais. Porem, ao passar dos anos, o quadro no país mudou.
No Brasil, o tema vem sendo debatido desde os anos 90, quando da discussão prévia para adotar a cláusula de barreira ou de desempenho, que acabou virando norma em nosso país. Acabou por entrar na discussão política após a apresentação do Projeto de Lei do Senado n. 2.522, de 2015, que permite que dois ou mais partidos com registro no TSE (exclui organizações ou partidos em formação, diversamente de outros países), que, uma vez criadas, teriam a ação unificada como se um partido político fosse, com todos os seus direitos assegurados, como o tempo de TV, rádio, e verbas de fundo partidário e eleitoral.
A versão brasileira da Federação de Partidos exige que a coalizão tenha caráter temporário mínimo de 4 anos, e que o funcionamento interno da Federação, em qualquer nível tenha regência pelo estatuto da Federação que eventualmente venha a ser formalizada. Um dos principais motivos do fortalecimento da proposta, criando este novo instituto, é buscar formas de superar as regras instituídas através da Emenda Constitucional 97/2017; pelo dispositivo constitucional, os partidos terão que atingir, em 2022, o percentual de 2% dos votos válidos nacionais, 2,5% em 2026 e 3% em 2030, na eleição a deputados federais. Caso não atinjam este desempenho, os partidos perdem o direito à representação parlamentar pelos deputados que elegeu, tempo de TV, Fundo Partidário e Fundo de Financiamento de Campanha.
O percentual de 1,5% não foi atingido em 2018 por alguns partidos, o que levou a fusões e incorporações entre alguns deles; Para agravar ainda mais o desempenho dos partidos, a legislação eleitoral vedou a composição de coligações para as disputas proporcionais, mas manteve na eleição majoritária.
Os contrários à proposição objetam que as federações sirvam para propósito meramente eleitoreiros, para driblar os objetivos da cláusula de desempenho, para enxugar o quadro partidário, com partidos sem votos, ou adesão eleitoral e popular, e que os acordos não tenham viés programático. Em seu favor, os membros do PCdoB e de outras agremiações de esquerda contraargumentam que a Federação sirva para poupar justamente partidos programáticos e alinhem agremiações com programas mínimos em comum, de um mesmo espectro ou campo ideológico, evitando a dissolução de legendas como a dos comunistas, permitindo sua sobrevivência ou fusões equivocadas.
Destaco o que sublinhou o vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, explicando que federação partidária “não é o mesmo que as coligações proporcionais ora proibidas, que se realizavam em diferentes amplitudes, entre diferentes composições partidárias em cada um dos Estados. Com as Federações reduz-se a fragmentação partidária, estendendo de modo coerente as alianças majoritárias também ao terreno dos parlamentos”. Sorrentino acrescentou que “as federações são tipo de alianças que não sobrecarregam o sistema legislativo e concentram os campos político-partidários em disputa. Permitem convergências próprias da luta política a cada situação. Quem quiser as faz, quem não, está no seu direito. De todo modo, assegura a vontade popular que elege deputados e vereadores sempre que as Federações superem a cláusula de desempenho”.
Este complemente a defesa do novo instituto, no sentido de que “as saídas ao profundo desarranjo da nação brasileira são políticas. Não se pode amputar o mais essencial da atividade política, que são as alianças eleitorais. Cabe ao Congresso Nacional sanar esse défice democrático. O Brasil precisa de mais democracia, não menos. As federações eleitorais vão ao encontro desse objetivo”. (in https://vermelho.org.br/2021/02/23/siglas-apostam-na-criacao-da-federacao-partidaria-para-as-eleicoes-de-2022/)
Na discussão do PLS no Senado, lembramos que o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) também alegou que os partidos perderão força nos estados e municípios. “Vai acabar com a política municipal”, destacou. Sem dúvida, os partidos a nível local podem até unir desafetos, quando não adversários, dada a notável fragmentação e montagem das bases partidárias de forma pragmática e não-ideológica, na política paroquial.
(texto revisto em 21.9.21)
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