O tema é espinhoso e não tem um entendimento pacificado para doutrinadores e estudiosos do Direito Eleitoral. Como sabemos, a inelegibilidade é o impedimento para que um candidato seja votado, ou ainda, eleito. Gosto muito de citar a definição do ex ministro Fernando Neves, para o qual "(..) a inelegibilidade importa no impedimento temporário da capacidade eleitoral passiva do cidadão, que consiste na restrição de ser votado, não atingindo, portanto, os demais direitos políticos, como, por exemplo, votar e participar de partidos políticos". Essa impossibilidade encontra-se prevista expressamente nas situações previstas na Constituição Federal, no seu artigo 14, ou ainda no corpo da Lei Complementar n. 64, de 1990, que estabelece as situações ou hipóteses nas quais a inelegibilidade se verifica, no seu artigo 1o, incisos e parágrafos.
Pelo que dispôs expressamente o artigo 11 §10 da Lei n. 9504/97, as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura.
in verbis:
Art. 11, §10 – As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.
Desta forma, a existência de causa de inelegibilidade no momento em que o registro de candidatura é postulado impõe o indeferimento deste. No entanto, a norma excepcionaliza a possibilidade de alterações supervenientes que venham a afastar a inelegibilidade e que causem seu posterior deferimento. Fica claro, que para a Lei das Eleições, as situações que sejam posteriores e que alterem fatos impeditivos à inelegibilidade afastam com que seja o registro indeferido, por verificarem-se no momento de apresentação do registro de candidatura.
É claro que o registro fica indeferido se não houver resignação do requerente, que deve recorrer, na forma da Lei, evitando o instituto da preclusão, mesmo que ocorra qualquer alteração na situação jurídica do candidato.
O que o §10 do art. 11 busca, é, nos dizeres de José Jairo Gomes (in Direito Eleitoral, 12a edição), “conferir eficácia à aquisição superveniente de elegibilidade“. Essa aquisição, via de regra, ocorre nos casos em que há a suspensão (decisão de caráter provisório) do ato que gerou a inelegibilidade, o que implica, necessariamente, na suspensão da própria inelegibilidade.
Mas, para que sejam gerados efeitos jurídicos, essa causa superveniente que afasta a inelegibilidade deve ser aferida em qual momento? Temos três visões distintas. A primeira, esposada pelo próprio José Jairo Gomes, um importante eleitoralista, e membro do Ministério Público, o marco temporal é o do dia do pleito, pois o candidato deve estar elegível no momento do sufrágio, para todos que defendem esta posição. Esta aliás, é a regra geral, e sem a ocorrência dos fatos excepcionados em Lei, é a norma assentada nos julgados do TSE.
Esse entendimento inicial teve guarida até pelo menos 2019, eventualmente, pelo plenário do TSE, como p. ex., encontrado no julgamento do RESPE n. 24213, Rel. Min. Admar Gonzaga, em 4/6/2019), ainda evocando a inteligência da Súmula n. 70 do TSE, de 2016. Anteriormente, aliás, citamos que a Súmula n. 47 tratava o tema da mesma forma, estabelecendo a data do pleito como marco.
Há uma segunda linha de entendimento que entende distintamente, que a suspensão da causa deve ocorrer inexoravelmente até a data da diplomação (última fase do processo eleitoral, na qual há o reconhecimento e proclamação dos eleitos, permitindo-se a posse e o exercício posterior do mandato).
O plenário do TSE, a partir do julgamento de Caucaia - CE, em 15/9/2016, já havia alterado entendimento anterior, que fixou a possibilidade da alteração da inelegibilidade por fato superveniente tem como limite a data da diplomação no RESPE n. 3242, e em posterior e importante julgado (Informativo TSE – ano XIX – n.3 – fev/mar 2017), que por unanimidade definiu que a data limite para a consideração do fato posterior que afasta a inelegibilidade é a data da diplomação, confirmando o julgado do ano anterior, senão vejamos:
O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade, afirmou que a data a ser fixada como termo final para a consideração de fato superveniente apto a afastar a inelegibilidade do candidato, conforme o previsto no § 10 do art. 11 da Lei no 9.504/1997, deverá ser o último dia do prazo para a diplomação dos eleitos. Na espécie, trata-se de recurso eleitoral interposto por candidata que teve seu registro indeferido, em decorrência de condenação em ação de improbidade. Após o início do julgamento neste Tribunal, a recorrente informou que obteve efeito suspensivo no recurso extraordinário interposto em ação civil pública, na qual fora condenada por improbidade administrativa. O Ministro Henrique Neves, relator, na linha da jurisprudência deste Tribunal, afirmou que as circunstâncias fáticas e jurídicas supervenientes ao registro de candidatura aptas a afastar a inelegibilidade podem ser conhecidas em qualquer grau de jurisdição, inclusive nas instâncias extraordinárias, até a data da diplomação, última fase do processo eleitoral. Esclareceu que a candidata teve liminar deferida em 7.12.2016, em que se concedeu efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto de acórdão que manteve sua condenação por improbidade administrativa. Contudo, o juízo eleitoral realizou a solenidade de diplomação no dia 3.12.2016. O relator ressaltou que a concessão da liminar suspende provisoriamente o suporte fático da inelegibilidade descrita no art. 1o, inciso I, alínea l, da Lei Complementar no 64/1990. Nesse contexto, asseverou que a fixação da data da diplomação dos eleitos pelo juízo eleitoral, por critérios de conveniência e oportunidade, não pode servir como parâmetro para o exercício de direito garantido por lei, especificamente aquele previsto no § 10 do art. 11 da Lei no 9.504/1997, sob pena de se causar instabilidade jurídica e política. Assim, em atenção ao direito fundamental à elegibilidade, que deve nortear a esfera eleitoral, o ministro entendeu que a data a ser fixada como termo final para a consideração de fato superveniente apto a afastar a inelegibilidade do candidato deverá ser o último dia do prazo para a diplomação dos eleitos, fixado no calendário eleitoral elaborado por esta Corte, ou seja, o dia 19 de dezembro. O Tribunal, por unanimidade, acolheu os embargos de declaração opostos, com efeitos modificativos, para prover o recurso especial eleitoral e deferir o registro da sua candidatura ao cargo de prefeito do Município de Senhora dos Remédios/MG, nos termos do voto do relator. (Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral no 166-29, Senhora dos Remédios/MG, rel. Min. Henrique Neves da Silva, julgados em 7.3.2017, cfr. Informativo TSE – ano XIX – n.3).
Cito tambem outros precedentes do TSE no mesmo sentido, como o REspe 150-56, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJE de 21/6/17; REspe 326-63, rel. min. Edson Fachin, DJE de 6/11/18; AgR-REspe 170-16, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, red. para o acórdão ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 4/10/18. (Ac de 19/3/19, no ED-RO 060417529, Rel. min. Admar Gonzaga); havendo, assim, o advento de um fato superveniente que afasta a inelegibilidade, ocorrido até a data da diplomação, essa matéria poderá ser arguida no bojo da Ação de Impugnação de Registro de Candidatura (AIRC), se ainda estiver sub judice, ou mesmo como matéria de defesa em Recurso Contra a Diplomação (RCED) e, ainda, em Ação Rescisória Eleitoral. Há manifestações em outros julgados mais recentes, no mesmo sentido, pelos ministros Barroso e Fachin.
A jurisprudência atualizada e dominante, porem não pacificada totalmente, por meio de decisões esparsas e monocráticas, informa, então, que o marco deve ser a data da diplomação, que alterou o posicionamento anterior, no qual se entendia que “Cumpre à Justiça eleitoral, enquanto não cessada a jurisdição relativamente ao registro do candidato, levar em conta fato superveniente.”(TSE – RO 252037/BA, DJE 26/8/2011)
Essa última decisão citada, mais antiga, representa enfim, a terceira linha de pensamento, mais liberal, defende que a suspensão do ato pode ocorrer enquanto subsistir o processo de registro, a qual me filio, sem dúvida.
Não obstante, destaco que nos autos do REspe 7.481, rel. min. Napoleão Nunes Maia Filho, o TSE decidiu que as alterações de fatos ou de questões jurídicas ocorridas após a diplomação dos candidatos, que afastem a inelegibilidade destes, também poderiam ser analisadas pela Justiça Eleitoral em sede de Recursos Contra a Diplomação (RCED) e em ações rescisórias, mesmo ocorridas após a diplomação; no bojo destas ações, assim sendo, o fato superveniente que afasta a inelegibilidade poderá ter ocorrido mesmo após a diplomação, observados os prazos inerentes à ação rescisória (até 120 dias após a diplomação).
Entendo sempre que não há prejuízo ao processo democrático a possibilidade da mudança da situação jurídica do candidato, quanto mais após o mesmo ter sido sufragado e escrutinado, avaliado pelo eleitorado. Na democracia, sempre deve-se ter como maior valor, o da vontade popular, muitas vezes empanada por tecnicidades. Na realidade, a população vê exposta qualquer fragilidade no registro de candidaturas, que tem ampla divulgação e repercussão na opinião pública, e se resolveu escolher candidato que por uma lentidão do aparelho Judiciário vê revista qualquer situação jurídica que causava sua inelegibilidade, porque deva ser punido? no que perde o sistema democrático.
A primazia da soberania popular, e a mora na prestação jurisdicional sem culpa do recorrente foi reconhecida em liminar exarada pelo Ministro Gilmar Mendes, do TSE, no julgamento do RESPE 27989 (Pescaria Brava/SC), no qual foi derrotado em plenário, que entendeu, ainda em 2017, manter-se o entendimento do limite temporal até a diplomação.
Me afigura como justo, ainda mais sabendo que por diversas razões, o Judiciário demora a deliberar, que o fato da possibilidade de reversibilidade da condição de inelegibilidade de um candidato não deve permitir a fixação de marco temporal, até que haja um deslinde do exame judicial da questão.
Em qualquer caso, há a necessidade de que os recursos estejam em tramitação, sem pronunciamento final, em que haja a coisa julgada, e tambem destaque-se a impossibilidade absoluta de se arguir e provar fato novo em sede de recurso extraordinário e especial. A competência do STF (recurso extraordinário) e TSE (recurso especial) limita-se ao exame dos fatos e temas jurídicos já debatidos nas instâncias inferiores (TSE e Tribunais regionais, respectivamente). Não se permite, logo, a análise de matéria nova, por faltar o requisito essencial do prequestionamento. Assim, a arguição da causa que suspende a inelegibilidade deve ocorrer enquanto a lide estiver tramitando nas instâncias ordinárias.
Sr. Vinicius Cordeiro, boa noite!
ResponderExcluirMandei uma mensagem por via Direct no seu Instagram.
Nenhum problema para o Sr resolver, apenas gostaria que lesse a mensagem com a empatia que o sr transborda.
Att Ariana