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ANISTIA E OS SEUS LIMITES CONSTITUCIONAIS

Os eventos de 08 de janeiro de 2023, atentando contra símbolos e as sedes dos Poderes, e ataque às forças policiais, bem como outros eventos de natureza grave que os antecederam, como a tentativa de bloqueio de estradas federais, a ocupação da entrada de dezenas de quartéis - seus desdobramentos, com processos criminais, condenações de centenas de envolvidos, e processamento inédito de um ex presidente da República e militares de alta patente desencadeou um tambem inédito debate sobre a possibilidade de editar-se anistia. E agora, discute-se a constitucionalidade da medida, e controversamente, se discute o próprio instituto da anistia e seus alcances.

Manifestantes durante o 8 de janeiro

Nos períodos de crise, a ação do Supremo Tribunal Federal faz-se urgente, assim como do Ministério Público, já que quaisquer tentativas de subversão da Ordem Constitucional e do Estado Democrático de Direito fizeram-se malogradas. A questão é, como manter o império da Lei, quando a democracia se mostra ameaçada e o Estado possa reagir à essas ameaças - diversamente do que ocorreu na República de Weimar, nos anos 20-30 do Século XX, que assistiu a Alemanha sucumbir ao extremismo político, e o sistema de freios e contrapesos foi incapaz de deter, até 1933, quando Hitler se tornou Chanceler e em apenas tres meses, instaurou um regime ditatorial.

Vozes de alguns juristas respeitados como Lenio Streck e o antigo decano de nossa mais Alta Corte, Celso de Mello, se revelaram contra a concessão de anistia; Para LENIO STRECK, o projeto de Lei apresentado, além de inconstitucional, representa um ataque direto à democracia. “Uma democracia jamais comete o suicídio. É incompatível com a democracia que você tenha um perdão para quem tentou destruí-la; um aluno de primeiro ano de Direito já saberia disso”, disse o professor, que chamou a proposta de “haraquiri institucional”, em referência ao ritual de suicídio praticado no Japão.

No mesmo sentido, CELSO DE MELLO avalia:

"(..) Torna-se vital reconhecer que o regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não terá condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis da República, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento ou de um só grupo!(..)"

Vale observar que, como citado acima, a Constituição impede o perdão pelo crime de terrorismo. À época dos atos antidemocráticos, muito se questionou se poderiam ser tipificados como terrorismo.

Destaque-se que o Ministro Alexandre de Moraes, ao decidir sobre a competência do STF para as audiências de custódia dos participantes dos atos antidemocráticos, apontou os possíveis crimes cometidos - e citou os atos terroristas, previstos nos artigos 2º, 3º, 5º e 6º da lei 13.260/16.

Em várias decisões, o ministro usou os termos "ato terrorista" e "criminosos terroristas", como por exemplo ao determinar a prisão de Anderson Torres. Ele disse que "a democracia brasileira não será abalada, muito menos destruída, por criminosos terroristas" e que o "QG do Exército (...) estava infestado de terroristas".

O ministro ainda ressaltou haver "fortes indícios de que as condutas dos terroristas criminosos só puderam ocorrer mediante participação ou omissão dolosa das autoridades públicas".

Se o posicionamento do STF for o de que atos violentos ou terroristas fizeram parte da ações, os óbices levantados levarão à eventual declaração de inconstitucionalidade de qualquer  Lei aprovada concedendo anistia em relação à esses fatos.

Celso de Mello

Relembro que o primeiro sintoma nesta situação de crise no país foi a proliferação extremista do chamado "Poder Moderador" ou "arbitral" que as Forças Armadas teriam, baseado num torto entendimento do art. 142, propagado amplamente por alguns políticos, se utilizando do parecer, altamente contaminados de sentimento ideológico de alguns advogados que se prestaram à esse triste papel.

Como sabemos (eles tambem), as Forças Armadas são sujeitas, nas democracias, ao Poder Civil, nas estritas funções delimitadas pela Constituição da República. Algo fora - ou alem disso, é anômalo. Qualquer tentativa de incitar tal comportamento dos líderes castrenses, é crime contra o Estado Democrático de Direito.

Aliás, no seu artigo, CELSO DE MELLO advertiu:

"(..) Em situações tão graves assim, costumam insinuar-se pronunciamentos ou registrar-se movimentos que parecem prenunciar a retomada, de todo inadmissível, de práticas estranhas (e lesivas) à ortodoxia constitucional, típicas de um pretorianismo que cumpre repelir, qualquer que seja a modalidade que assuma: pretorianismo oligárquico, pretorianismo radical ou pretorianismo de massa (SAMUEL P. HUNTINGTON, “Pretorianismo e Decadência Política”, 1969, Yale University Press).

A nossa própria experiência histórica revela-nos — e também nos adverte — que insurgências de natureza pretoriana, à semelhança da ideia metafórica do ovo da serpente (República de Weimar), descaracterizam a legitimidade do poder civil e fragilizam as instituições!

Impunha-se repelir, por isso mesmo, qualquer manifestação de um pretorianismo oligárquico que buscasse sufocar e dominar, com grave lesão à ordem democrática, as instituições da República!

Já se distanciam no tempo histórico os dias sombrios que recaíram sobre o processo democrático em nosso País (1964–1985), em momento declinante das liberdades fundamentais, quando a vontade hegemônica dos curadores militares do regime político então instaurado sufocou, de modo irresistível, o exercício do poder civil.

É preciso ressaltar que a experiência concreta a que se submeteu o Brasil no período de vigência do regime de exceção (1964/1985) constitui, para esta e para as próximas gerações, marcante advertência que não pode ser ignorada: as intervenções pretorianas no domínio político-institucional têm representado momentos de grave inflexão no processo de desenvolvimento e de consolidação das liberdades fundamentais. (..)"

Cabe decidirmos se somos tolerantes com tais manifestações, que teriam ultrapassado limites, pondo em risco a ordem constitucional. Afinal, lembro de Karl Popper, “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da própria tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles. (…)"

Mas, qual a definição conceitual do que seja a anistia, em nosso modelo Constitucional? 

Ora, a Anistia, ou como alguns gostam, é um esquecimento, um perdão, a exclusão, por lei ordinária com efeitos retroativos, a incidência das normas penais de um ou mais fatos criminosos, a extinção da punibilidade concedida por meio de lei ordinária editada privativamente pelo Congresso Nacional (CF, arts. 21, XVII, e 48, VIII), dispensada a sanção do Presidente.

O dispositivo é semelhante à graça e ao indulto: todos são formas de extinção de punibilidade, conforme o art. 107, II, do CP. Mas, enquanto a graça e o indulto são benefícios concedidos pelo presidente da República, por meio de decreto, a anistia é uma atribuição do Congresso Nacional. Depende, portanto, da aprovação de projeto de lei nas duas Casas Legislativas.

A iniciativa do projeto de lei visando a concessão de anistia é livre, ao contrário do que ocorria na Constituição anterior (1967/69), em que o art. 57, VI, quando era iniciativa do Presidente da República, na hipótese do cometimento de crimes políticos, e no seu artigo 45 lembrava que a lei ordinária aprovada no Congresso ainda mereceria a sanção presidencial. 

Agora, a competência da União para concessão de anistia abrange unicamente as infrações penais. A extinção da punibilidade destina-se, em regra, a crimes políticos (anistia especial), abrangendo, excepcionalmente, crimes comuns. Abrange fatos, e não indivíduos, embora possam ser impostas condições específicas ao réu ou condenado (anistia condicionada), e possui efeitos ex tunc, retroativos. 

E, concedida a anistia, o juiz, de ofício, a requerimento do interessado ou do Ministério Público, por proposta da autoridade administrativa ou do Conselho Penitenciário, declarará extinta a punibilidade (LEP, art. 187). É desnecessário o aceito do anistiado, e uma vez editada, é irrevogável.

Veja-se, portanto, que a anistia abrangeu todos aqueles que praticaram crimes políticos ou conexos no período mencionado, sem qualquer alusão a pessoa determinada. O que importa, na anistia, é o fato, e não seu destinatário. 

Divide-se em própria, quando concedida anteriormente à condenação, e imprópria, na hipótese em que sua concessão opera-se após a sentença condenatória. Pode ser também condicionada ou incondicionada, conforme esteja ou não sujeita a condições para sua aceitação. 

Em julgados recentes, o STF tratou sobre a anistia de infrações disciplinares cometidas por servidores públicos, sendo possível também anistiar infrações disciplinares, mas nesses casos, é preciso lembrar que a Constituição Federal reserva ao chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) a iniciativa de leis que tratem do regime jurídico de servidores desse Poder ou que modifiquem a competência e o funcionamento de órgãos administrativos (art. 61, § 1º, II, “c” e “e”) e que a concessão de anistia aos servidores públicos se encaixa nessa disposição. 

Então, foram julgadas inconstitucionais leis que concederam anistia à policiais civis, militares e bombeiros que praticaram infração disciplinar por participar de greve, porque essas leis foram de iniciativa de Deputados Estaduais, no Estado de Alagoas (ADI 4928, de 2022, STF).

Afinal, no "Ato das Disposições Constitucionais Transitórias" Da CF/88, o seu art. 8º concedeu anistia a perseguidos políticos entre 1946 e 1988, garantindo a reintegração e promoções a que teriam direito, inclusive aos servidores públicos civis e empregados em entidades estatais punidos por motivos exclusivamente políticos, excetuando-se os casos envolvendo os Ministérios militares.

E quais são os limites para a concessão da anistia? A Constituição revela expressamente no artigo 5o, nos seus incisos XLIII e XLIV há óbices nas seguintes situações:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;         

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;


ANISTIA NO DECORRER DA HISTÓRIA


Logo após a sua independência, em 7 de setembro 1822, o Brasil concedeu anistia para pessoas que defendiam que o país continuasse ligado à Portugal. Por meio de um decreto de 18 de setembro de 1822, o imperador Dom Pedro I perdoou quem teve opiniões políticas contrárias à independência, com exceção àqueles que já estavam presos. A medida determinava quem continuasse contra o novo governo emancipado deveria deixar o país, podendo ainda ser processado e "punido com todo o rigor".

Ainda no período Imperial, a Igreja Católica romana proibiu, por exemplo, que fiéis ligados à maçonaria ocupassem cargos religiosos. O Governo, que tinha forte influência maçônica, considerou a decisão uma afronta, e chegou a prender bispos. O império acabou "perdendo força" no conflito e D. Pedro II concedeu anistia para os bispos envolvidos, por meio do Decreto 5.993, de 17 de setembro de 1875.

Aliás, a Constituição Imperial de 1824, quanto na de 1934 não se fez quaisquer menções à eventuais anistias, apenas a de 1891 atribuía ao Congresso Nacional a competência exclusiva para conceder anistia (art. 34, inciso XXVII).

No início do período republicano, aliás, foram pródigas os movimentos insurrecionais em diversos Estados, merecendo atos de anistia em diversos momentos, a saber: o decreto n. 8, de 8/9/1891 (anistia aos revoltosos do Pará); o decreto n. 72-B, de 5/8/1892 (revoltosos das fortalezas de Santa Cruz e de Laje) e mais 10 decretos editados entre 1982 e 1905, sendo notáveis neste período conturbado da Primeira República o da revolta da armada / revolução federalista, sendo concedido o decreto n. 310, de 1895, e o da revolta da vacina (decreto n. 1.373/1905).

Ainda notável foi a anistia advinda para solucionar em 1910, o final da chamada "revolta da chibata"; a revolta acabou quando o presidente da época, Hermes da Fonseca, proibiu castigos físicos na Marinha e assinou o Decreto n. 2280, de 25/11/1910, que deu anistia para o revoltosos. Mas a anistia foi vista como "enganosa" pelos marinheiros, já que todos os indisciplinados foram demitidos ou expulsos, e realizou prisões. O líder João Cândido foi expulso da Marinha, passou anos na cadeia e em um manicômio. 

Logo após a Revolução de outubro de 1930, o Governo Provisório de Getúlio Vargas concedeu anistia, através do Decreto 19.395, de 8 de novembro de 1930, a todos os civís e militares que, direta ou indiretamente, se envolveram nos movimentos revolucionários, ocorridos no país, incluídos todos os crimes políticos e militares, ou conexos com esses, beneficiando os envolvidos nos chamados movimentos tenentistas e até a coluna Prestes.

Em 28 de maio de 1934, o Governo Provisório de Vargas decretou nova anistia com restrições: o decreto revogava a cassação dos direitos políticos, isentava de responsabilidade criminal os participantes do movimento paulista de 1932, declarava insubsistente as decisões da “Justiça de exceção” e determinava o arquivamento de processos dela decorrentes. No entanto, excetuou os crimes considerados comuns ou de natureza funcional; reintegrava os militares às Forças Armadas, porém para os servidores civis a reintegração era condicionada à uma prévia audiência por uma das comissões especiais nomeadas pelo Presidente da República. 

Entretanto os Constituintes de 1934 ampliaram essa anistia no artigo 19 das Disposições Transitórias da Carta de 1934: “É concedida anistia ampla a todos os quanto tenham cometido crimes políticos até a presente data”. Os beneficiados por essa anistia não foram apenas os depostos em 1930, mas também os participantes do movimento paulista de 1932, comunistas, líderes sindicais e outros. A anistia concedida pelos constituintes na Constituição de 1934 fora a anistia mais ampla que o Brasil conhecera até então.

Já a Carta Magna de 1937, elaborada durante o Estado Novo, concentrou competências no âmbito da União, incluindo a concessão de anistia (art. 15, XI), ao passo que o art. 16, inciso XXV, estabelecia a competência privativa da União legislar sobre o tema.

O Decreto-Lei n. 7.474, de 18 de abril de 1945, seguido do decreto n. 7.493, editaram, após campanha popular, em contexto de redemocratização no pós-guerra, anistia que abrangia todos os crimes políticos e conexos cometidos entre o período de 1934-45, uma vez que a última anistia decretada datava de 1934.  Foram libertos o secretário-geral do PCB, Luiz Carlos Prestes, Agildo Barata, e diversos líderes comunistas como Marighella e Gregório Bezerra, entre outros, num total de 563 presos políticos, incluindo-se alguns integralistas. A próxima anistia a ser decretada seria a de abril de 1945, porém, a Constituinte de 1946, diferente da Constituinte de 1933, não retirou as restrições estabelecidas no Decreto-lei 7.474.

Em 1946, a Constituição Federal trouxe previsões expressas sobre a anistia, refletindo o contexto de redemocratização do país após o Estado Novo; o art. 5º, inciso XIV, atribuía à União a competência para conceder anistia, enquanto o art. 66, inciso V, conferia ao Congresso Nacional a competência exclusiva para sua concessão.

Além disso, o art. 28 do "Ato das Disposições Transitórias" concedeu anistia automática a cidadãos considerados insubmissos ou desertores até a promulgação da Constituição, bem como aos trabalhadores punidos disciplinarmente em decorrência de greves ou dissídios.

No Governo JK, anistiaram-se os golpistas envolvidos nos movimentos de Jacareacanga e Aragarças, através do Decreto Legislativo n. 22, de 1956; e tambem durante o período do Governo Jânio Quadros, editou-se o Decreto Legislativo, de 1961, anistiando crimes políticos entre 1934 e o Ato adicional, para beneficiar alguns excluídos de atos de anistia anterior.

No regime da Constituição de 1967, já comentada, tivemos a anistia concedida por iniciativa do Presidente Figueiredo, aprovado pelo Congresso, quase ao fim do regime militar, abrindo caminho para a abertura política que se iniciou naquele ano, através da Lei n. 6.683/79 :

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

Afinal, foram quase 50 os atos de anistia de lavra federal e estaduais (há quem falou em 80, não confirmado), tendo trajetória histórica tais atos, sendo sobretudo atos de contexto político e mesmo de conveniência, variando os fatos que geraram tais ações.

Certamente, os atos de anistia são jurídico-políticos, envolvendo o exame de sua conveniência pelo Congresso, mas pode caber ao STF o exame de sua pertinência, quanto aos requisitos e de seus eventuais óbices, para a eventual declaração de inconstitucionalidade.

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Para que se registre sobre os fatos mais recentes, já há em tramitação no Congresso Nacional 7 projetos de lei tratando de anistia na Câmara dos Deputados, e 4 no Senado, com escopo mais ou menos abrangente.

Os óbices basicamente, segundo CELSO DE MELLO são pelo fato do "(..)  Congresso Nacional NÃO pode exercer seu poder de legislar, em matéria de anistia, (1) naquelas hipóteses pré-excluídas pela Constituição do âmbito normativo desse ato de clemência soberana do Estado (tortura, racismo, tráfico de drogas, terrorismo, crimes hediondos e delitos a estes equiparados, CF, art. 5º., n. 43), (2) nos casos em que o Legislativo incidir em desvio de finalidade, distorcendo ou subvertendo a finalidade dessa modalidade do poder de graça, como ocorreria se a concessão de anistia objetivasse atribuir ao Parlamento a condição anômala (e inadmissível) de órgão revisor das decisões judiciais (as do STF, na espécie), como revela a intenção motivadora do projeto de lei (e de seu substitutivo) ora em curso na Câmara dos Deputados, (3) em situação que caracterize ofensa ao princípio da separação de poderes (vício em que também incide a proposição legislativa acima mencionada) e (4) se a medida tiver por finalidade beneficiar qualquer pessoa que haja ofendido ou desrespeitado os cânones inerentes à democracia constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, em importante precedente sobre os limites do poder de graça (que NÃO tem caráter absoluto), firmou orientação no sentido (1) de que atos concessivos do benefício da graça são plenamente suscetíveis de controle jurisdicional, circunstância que legitima, plenamente, a atividade fiscalizadora do STF, a quem incumbe, por expressa delegação da Assembleia Constituinte, o “monopólio da última palavra” em matéria constitucional, (2) de que o órgão competente para agraciar não pode transgredir o postulado da separação de poderes, que traduz dogma protegido por cláusula pétrea explícita, (3) de que esse mesmo órgão (o Congresso Nacional, no caso) não pode exercer tal prerrogativa institucional com desvio de finalidade e (4) de que a concessão da graça, como a anistia, não pode beneficiar quem houver atentado contra o Estado Democrático de Direito, regime político amparado por cláusula pétrea implícita (ADPFs ns. 964/DF965/DF966/DF e 967/DF, Rel. Ministra Rosa Weber).

No caso do projeto de lei concessivo da anistia, ora em tramitação na Câmara dos Deputados, tal proposição legislativa incide, juntamente com seu substitutivo, em algumas transgressões à Constituição, especialmente (1) porque visa beneficiar quem atentou contra o Estado Democrático de Direito e (2) porque, ao incidir em desvio de finalidade, busca converter o Congresso Nacional em anômalo órgão revisional (ou instância de superposição) em face das decisões do Supremo Tribunal Federal, assim transgredindo o princípio da separação de poderes.

Note-se, portanto, que a proposição legislativa em tela ofende postulados constitucionais protegidos por cláusulas pétreas, tanto de natureza explícita quanto de caráter implícito!(..)"

Na mesma esteira, LENIO STRECK fala das vedações implícitas para a concessão da anistia já referidas pelo STF em outras oportunidades (cerca de 40) citando o precedente Daniel Silveira, na ADPF n. 964, na afirmação de que "indulto que pretende atentar, insuflar e incentivar a desobediência a decisões do Poder Judiciário e indulto atentatório a uma cláusula pétrea prevista no art 60 da CF", emenda. 

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